Título: Experiência singular no Planeta
Autor: Danyella Proença
Fonte: Jornal do Brasil, 27/02/2005, Brasília, p. D3

Entender Niemeyer e Lúcio Costa como homens de seu tempo. Esse é, segundo o professor de arquitetura da UnB Frederico Flósculo, o grande desafio na hora de discutir a coerência do projeto que originou Brasília. - Hoje já é injustificável que a arquitetura seja puramente plástica. O pecado de Brasília é que ela é perversa para o convívio das pessoas. A cidade é pouco parecida com a cultura brasileira, embora seja um grande mosaico. É um modelo cultural que corresponde a outro modo de viver - defende Flósculo.

O professor ressalta que a experiência de Brasília não conseguiu ser repetida em nenhum outro lugar do mundo. E não é preciso ir tão longe. As próprias cidades-satélites sofrem com a falta de aplicação dos princípios de arquitetura e urbanismo. Falta atenção para as habitações populares. As favelas e o caos vindo da falta de planejamento urbano. Segundo o professor, as novas cidades são cada vez mais cinzas e menos arborizadas.

Por que, afinal, Brasília continua a ser vanguarda após tantos anos? Por que nenhuma outra cidade planejada que a sucedeu conseguiu alcançá-la em monumentalidade e graça? O projeto de Brasília é absolutamente original, mesmo com a influência européia. Tanto que, segundo Flósculo, a audácia criativa de Niemeyer intimida, até hoje, as experimentações de novos arquitetos.

- A descendência de Niemeyer é árida. Os arquitetos brasileiros parecem ter medo de fazer feio diante dele. Por isso, acabam ousando muito pouco. É uma pretensão tola, porque o experimentalismo tem de ser livre, feito com a vontade de se ver o novo. Essa é a mensagem que ele nos deixou - enfatiza o professor.

Talvez o charme de Brasília esteja justamente em não ser compreendida de imediato. Os traços de Niemeyer e Lúcio Costa pedem a leveza e a poesia do olhar, um mergulho na própria experiência. Deve estar aí o segredo, a chave para melhor compreender essa cidade utópica e escultural. Desvendar Brasília é aceitar seu paradoxo.