O Estado de São Paulo, n.46379, 10/10/2020. Política, p.A12

 

Marques diz ter feito formação em período de férias

Daniel Weterman

10/10/2020

 

 

Em currículo entregue ao Planalto, indicado para o Supremo afirma ter concluído mestrado, doutorado e pós nos meses sem trabalho

Indicado para ser ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), o desembargador Kassio Marques disse que concluiu um mestrado, um doutorado e dois pós-doutorados em período de férias. A declaração e o currículo foram entregues pelo magistrado ontem ao Palácio do Planalto. A indicação, com os documentos, foi encaminhada oficialmente para o Senado, responsável por aval ou veto ao escolhido.

Marques trabalha como desembargador no Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF-1), em Brasília – ele foi indicado ao cargo pela então presidente Dilma Rousseff. No currículo entregue pelo magistrado ao Planalto, ele afirma que fez um mestrado em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa, em Portugal, de 2013 a 2015. O doutorado, por sua vez, foi feito na Universidade de Salamanca, na Espanha, entre 2016 e 2020, conforme o documento apresentado pelo desembargador.

A tese de doutorado foi defendida há apenas duas semanas, em 25 de setembro deste ano. Por conta da data, a certificação está "em trâmite", de acordo com o documento enviado pelo magistrado. Mesmo assim, Marques declarou ter feito dois cursos de pós-doutorado, também em período de férias, entre 2017 e 2020. O currículo mostra um título em Direitos Humanos pela Universidade de Salamanca e outro em Direito Constitucional e Civil pela Universidade de Messina, na Itália.

"Todos estes cursos foram realizados em período de férias e sem nenhum pedido de afastamento para licença", escreveu o desembargador. Ao apresentar seu perfil ao Planalto, Marques afirmou que "a necessidade de melhor desempenhar meu mister me levou a buscar aperfeiçoar os conhecimentos através de cursos e especializações sempre com foco no Direito Público".

O currículo serve como subsídio para os senadores, que vão decidir se o magistrado tem "notável saber jurídico" e "reputação ilibada" para exercer o cargo no STF, como determina a Constituição. O indicado será sabatinado pelos senadores no dia 21. A votação deve ser feita no mesmo dia. Líder do MDB na Casa, Eduardo Braga (AM) será o relator da indicação. Ao Estadão/broadcast, o senador declarou ser favorável à nomeação de Marques no Supremo.

Inconsistências. O Estadão revelou inconsistências no currículo do desembargador. Marques apresentou uma pós-graduação em "Contratación Pública", pela Universidad de La Coruña, na Espanha. Procurada, a instituição espanhola, entretanto, informou que não oferece esse curso. Ainda segundo a instituição de ensino, o desembargador fez um curso de apenas cinco dias na universidade. O magistrado disse que se trata de um "erro de tradução", e que não quis se referir a pós-graduação.

No currículo enviado ao Planalto, Marques declarou essa formação como um "curso internacional de aprimoramento", mas ainda apresentando a formação como "postgrado". O termo, porém, significa pós-graduação, nos moldes definidos pelo entendimento acadêmico no Brasil ou no exterior – título que a universidade nega ter dado ao desembargador. Marques não foi localizado ontem.