Título: Trabalhador brasileiro tipo exportação
Autor: Rafael Rosas
Fonte: Jornal do Brasil, 27/02/2005, Economia & Negócios, p. A19
Oportunidades na África e na Ásia surgem com internacionalização de companhias nacionais
Trabalhar em uma multinacional, de preferência fora do país, é o sonho de muita gente. Poucos imaginam, no entanto, que a internacionalização crescente de empresas nacionais está levando funcionários brasileiros para mercados pouco convencionais, principalmente na Ásia e na África. Mesmo conscientes da distância de amigos e familiares e de situações de risco passíveis de acontecer com estrangeiros ¿ como o seqüestro do engenheiro João José de Vasconcellos Júnior, da Odebrecht, em janeiro no Iraque ¿ os brasileiros não se arrependem das transferências e fazem coro ao afirmar que a vida em outro país abre várias portas na carreira.
A montadora de ônibus Marcopolo, por exemplo, possui uma fábrica em Johanesburgo, na África do Sul, que conta com o trabalho de cerca de 30 funcionários brasileiros em um total de 300 empregados na unidade. Além do país africano, a Marcopolo está presente em Portugal, México, China, Colômbia e Argentina. No ano passado, a receita acumulada pela empresa com exportações e vendas das unidades do exterior somou R$ 846,6 milhões, 52,7% da receita líquida consolidada. Nas fábricas fora do Brasil, a montadora produziu 1.359 veículos em 2004.
Joneval Vanella Gomes, de 29 anos, começou a estudar inglês nos cursos oferecidos pela empresa. Quando apareceu a oportunidade de transferência para o exterior, ele escolheu a África do Sul, deixando em segundo plano as unidades de Colômbia e Portugal.
O funcionário saiu de Caxias do Sul para passar oito meses em Johanesburgo, onde teve contato com outros setores da Marcopolo, já que foi designado para atuar na parte administrativa. Ficou por lá oito meses, retornando no fim do ano passado ao Brasil.
¿ Eu me inscrevi apenas para trabalhar na África do Sul porque nos outros lugares os negócios já estão consolidados. Na África ainda há muito espaço para crescimento ¿ analisa, garantindo que, graças ao período no exterior, ganhou a oportunidade, este mês, de apresentar um sistema desenvolvido para a fábrica de Portugal. ¿ Jamais teria essa chance se não tivesse trabalhado na África do Sul.
Em Johanesburgo, Joneval testemunhou o esforço local para acabar com a herança dos anos de apartheid. Ele revela ainda que o clima de insegurança na cidade é perceptível e a Aids, uma preocupação constante do governo. Apesar disso, o maior desconforto que passou foi conseqüência da saudade de amigos e parentes.
¿ Apesar do telefone à disposição a qualquer hora do dia, este é um fator de estresse ¿ admite o solteiro analista de sistemas.
Mas não são todos os brasileiros que reclamam da solidão e da distância da família e amigos. Luiz Alfredo Cardoso de Oliveira, gerente regional de vendas da Perdigão em Dubai, nos Emirados Árabes, saiu do Brasil há três anos e não tem previsão de retorno. Casado, ele não reclama da distância em relação ao país de origem.
¿ A comunicação com o Brasil é fácil por telefone e e-mail. Além disso, Dubai é uma cidade internacional, portanto fica fácil de se relacionar com os colegas ¿ afirma.
De tão adaptado ao país, Luiz Alfredo, de 39 anos, não se aborrece nem com o idioma e frisa que a língua não é obstáculo nas relações pessoais ou no ambiente de trabalho, num escritório em que quatro dos cinco funcionários são brasileiros, responsáveis pelo gerenciamento das vendas da Perdigão para a região do Oriente Médio, que em 2004 cresceram 32,8%. No total, as exportações da companhia passaram para R$ 2,7 bilhões no ano passado, 48,4% maiores que em 2003.
¿ O desafio e a experiência diferenciada me motivaram a trabalhar no exterior ¿ ressalta.
Outra nação que virou destino de brasileiros é Angola. Depois de 25 anos de guerra civil, as empresas brasileiras foram chamadas para ajudar na reconstrução do país.
Jorge Guevara, de 59 anos, passou oito meses em Angola logo após o fim da guerra civil. Foi entre outubro de 1997 e maio de 1998, quando a Sondotécnica ¿ empresa de consultoria em engenharia ¿ realizava projetos na capital Luanda. Desta época, Jorge, boliviano naturalizado brasileiro, conta que o isolamento dos técnicos estrangeiros encarregados das obras era quase que completo.
¿ Vivíamos em uma vila que tinha toda a infra-estrutura, com clube, supermercado e posto médico. Por isso a adaptação foi tranqüila.
Mas Jorge conta que, fora dali, a história era outra. Na época, Jonas Savimbi, chefe guerrilheiro da Unita, ainda estava vivo e o risco de ataques e atentados era grande. Entre os episódios lembrados estão os problemas com a polícia. Não devido à má conduta dos estrangeiros, mas fruto do comportamento típico das forças de segurança de países em ebulição militar.
¿ Por duas ou três vezes, fomos recolhidos pela polícia. Quando chegávamos para trabalhar, com aparelhos e máquinas fotográficas, os policiais apareciam e levavam tudo e todos para a delegacia ¿ lembra, entre risos.
Segundo Jorge, não adiantava reclamar e argumentar que os documentos e credenciais estavam todos corretos e os trabalhos devidamente autorizados. A confusão só acabava com a chegada de oficiais do exército, que desfaziam o mal-entendido.
Hoje, Jorge viaja esporadicamente para Angola, onde gerencia um contrato para instalação de infra-estrutura de saneamento e abastecimento de água em Luanda. Segundo ele, a situação atual é completamente diferente.
¿ Os estrangeiros caminham e dirigem sozinhos. O trabalho é de reconstrução e cada vez mais empresas se interessam pelo país.
De olho neste crescimento, o Banco do Brasil ¿ que conta com 36 unidades em 21 países ¿ montou um escritório em Luanda, com o objetivo de auxiliar as companhias brasileiras lá instaladas. Segundo Augusto Braúna Pinheiro, diretor da área internacional do BB, os riscos de segurança hoje são bem menores.
¿ Em Angola, temos um funcionário experiente, com perfil de negociador ¿ diz Braúna. ¿ Todos os escolhidos para o exterior acabam encaminhados para locais onde as suas principais habilidades são mais necessárias.