Valor econômico, v. 21, n. 5185, 09/02/2021. Brasil, p. A6

 

Especialistas consideram cedo para analisar eficácia menor de vacina da AstraZeneca

Hugo Passarelli

09/02/2021

 

 

África do Sul suspendeu uso após ensaio clínico mostrar proteção limitada em casos leves e moderados contra a mutação do vírus detectada no país

Os dados que apontam eficácia menor da vacina da AstraZeneca /Oxford contra a variante sul-africana do coronavírus geram preocupação sobre a capacidade de resposta imunológica dos imunizantes já disponíveis. Especialistas alertam, porém, que é cedo para cravar a análise e apontam que mais testes são necessários.

“É possível que novas variantes surjam e, mesmo essas da África do Sul e Manaus, possam ‘escapar’ da resposta das vacinas. Porém é muito precoce afirmar se isso vai acontecer, até o momento não existe praticamente nada de concreto”, diz Eduardo Flores, virologista da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

No domingo, a África do Sul suspendeu o uso do imunizante da AstraZeneca após um ensaio clínico mostrar proteção limitada em casos leves e moderados contra a mutação 501Y.V2, detectada pela primeira na costa leste do país. Detalhes do estudo divulgados ontem mostraram eficácia de 10% da cepa, sobretudo para um grupo demográfico jovem, sem comorbidades como hipertensão. Mas os cientistas envolvidos no ensaio se mostraram confiantes numa resposta mais forte em infecções graves.

Segundo Flores, é preciso cautela ao analisar as informações sobre menor eficácia de vacinas contra as mutações. “Esses testes de curto prazo são [em geral] ‘in vitro’, de laboratório. Muitos ainda não foram feitos em pessoas”, disse. O estudo da África do Sul tinha amostra de 2 mil pessoas.

Qualquer vírus, como o que causa a covid-19, sofre mutações ao longo do tempo. Até o momento, as vacinas contra a covid-19 haviam demostrado resistência à variante B.1.1.7, que surgiu no Reino Unido, mas o caso sul-africano ainda causa incerteza.

A produção da vacina da AstraZeneca pela Fiocruz deve começar na sexta-feira. A Coronavac, outro imunizante já disponível no Brasil por uma parceria do Instituto Butantan com a chinesa Sinovac, utiliza tecnologia diferente, de vírus inativado

“Já tem teste contra essas duas variantes, a britânica e a da África do Sul, e que mostraram bom desempenho”, disse ontem Dimas Covas, diretor do Butantan. Os testes contra a variante amazônica ainda estão sendo conduzidos

“Pode ser que a eficácia das vacinas que temos hoje diminuam para imunizar pessoas infectadas com novas variantes. Precisamos realizar testes para entender melhor esse processo", diz Rafaela Rosa-Ribeiro, doutora em biologia celular e pós-doutoranda pelo Hospital Albert Einstein.

Enquanto os estudos sobre as mutações são feitos, Rafaela frisa que é urgente acelerar a vacinação com os insumos existentes. “É de suma importância que a gente consiga vacinar um número grande de pessoas ao mesmo tempo para evitar uma pressão seletiva e o surgimento de novas cepas que não serão cobertas pela vacina. O Brasil está muito atrasado nesse processo, mas a velocidade de vacinação precisa ser maior do que a capacidade de as novas variantes se estabelecerem. É uma corrida”, afirma.

Uma vez detectada a eficácia menor contra determinada variante, as vacinas são facilmente adaptáveis para abranger novas variantes. “Claro que isso leva um tempo e vacinar todas as pessoas novamente é um problema logístico grande”, afirma Rafaela.