O Estado de São Paulo, n.46381, 12/10/2020. Metrópole, p.A12

 

Ministro que soltou líder do PCC ataca Fux

Rayssa Motta

Pepita Ortega

Fausto Macedo

12/10/2020

 

 

Marco Aurélio reprovou presidente do STF por revogar decisão e diz seguir nova lei

Após ser alvo de críticas, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, defendeu ontem sua decisão de soltar o traficante André do Rap – medida depois suspensa pelo presidente da Corte, Luiz Fux. A revogação veio após o detento sair da prisão e agora André está foragido. Mello afirma ter baseado a liminar em nova regra do Código de Processo Penal, incluída em 2019 no pacote anticrime. Parlamentares já falavam ontem na necessidade de mudar a lei. Mello ainda atacou o colega por reverter a soltura. “Fux lamentavelmente implementou autofagia, o que fragiliza a instituição que é o STF.”

A nova regra, inserida no artigo 316 do Código de Processo Penal, limita a prisão preventiva, antes dada sem prazo definido, a 90 dias. É possível ser renovada pelo juiz se houver fundamentação para manter a custódia, “sob pena de se mostrar ilegal”. Mello viu excesso de prazo na prisão de André, detido em setembro de 2019. Ele não tem condenação no último grau de recurso judicial – foi condenado em 2ª instância. André de Oliveira Macedo é apontado como um dos principais líderes do PCC e chefe do esquema de tráfico que leva cocaína para o exterior.

“Atuo segundo o direito posto pelo Congresso Nacional e nada mais”, justificou Mello ao Estadão. “Não vejo a capa do processo e não crio em si o critério de plantão.” Para ele, que disse ter tomada várias outras decisões com base nesta lei, a revogação da soltura definida por Fux, é “lamentável”, “gera insegurança enorme e acaba por confirmar a máxima popular ‘cada

cabeça uma sentença’.”

No despacho em que revogou a prisão, Fux atendeu a pedido da Procuradoria-geral da República e afirmou que a soltura “compromete a ordem e a segurança públicas”. Ele também destacou o fato de André já ter condenações por tráfico internacional e a dificuldade de desmantelar facções. Interlocutores dizem que Fux entendeu que a Corte ficou exposta quanto à “seriedade da jurisdição constitucional”. Ele não rebateu publicamente as declarações do colega, mas a interlocutores também disse que caso a tese de Mello prevaleça, “inúmeros réus ‘perigosos” seriam soltos. Especialistas também veem risco de precedentes.

Na lei. O ex-ministro da Justiça e Segurança Sérgio Moro afirmou, em nota, que este trecho do pacote anticrime não é da versão original. Disse ainda que era contrário à inserção, feita pelo Congresso, por temer solturas automáticas de presos perigosos por mero decurso de tempo”. Quando a Câmara aprovou o pacote, Moro discordou de três itens: mudança na prisão preventiva, revisão da delação premiada e o juiz de garantias – que foram sancionados pelo presidente Jair Bolsonaro, em aceno ao Centrão. O Planalto não se manifestou ontem.

À Globonews, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), refutou responsabilidade do Congresso. “Se o procurador tivesse no prazo de 90 dias respeitado a lei, certamente o ministro Marco Aurélio não teria liberado o traficante.”

No Twitter, a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), da base governista, foi uma das parlamentares que prometeram um projeto para retirar o trecho do Código. Em resposta, a deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP) lembrou que a medida foi sancionada pelo próprio Bolsonaro. Já o deputado federal Roberto Freire (Cidadaniape) defendeu a Proposta de Emenda Constituição (PEC) da prisão em 2ª instância. Caso contrário, diz, “a lei seguirá beneficiando traficantes, homicidas e líderes de facções”. 

Mudança da lei

Parlamentares defenderam ontem mudar a legislação e acabar com a obrigatoriedade de rever a prisão preventiva a cada 90 dias, incluída no Código de Processo Penal em 2019.

PARA ENTENDER

Traficante teve helicópteros

André do Rap, segundo a ficha do detento na Secretaria de Administração Penitenciária paulista, é integrante do PCC e coordenava a exportação de drogas da facção para o exterior, via Porto de Santos. O patrimônio de André já foi avaliado em R$ 17 milhões. Ele, de 42 anos, se apresentava como agente de artistas e jogadores de futebol para disfarçar o dinheiro do tráfico. Na prática, é acusado de articular negócios entre o PCC e traficantes estrangeiros, como o grupo ‘Ndrangheta, máfia da Calábria, sul da Itália, que recepcionava drogas que saíam de Santos e eram redistribuídas na Europa. Ele foi preso em setembro de 2019 em uma casa de alto padrão em Angra dos Reis (RJ). No local havia dois helicópteros, um deles adquirido por André por R$ 7 milhões, e uma lancha, comprada por R$ 6 milhões. André tem, conforme a ficha, altíssimo poder financeiro, e estando em liberdade, assumirá o tráfico internacional de drogas. O traficante já tinha a prisão temporária decretada desde abril de 2014, junto com outros dez suspeitos, após as Operações Hulk e Overseas, da Polícia Federal. Até ser capturado, portanto, havia passado mais de cinco a nos foragido.