O Estado de São Paulo, n.46381, 12/10/2020. Economia e Negócios, p.B1

 

Apesar de crise causada pela pandemia, inadimplência registra queda no País

Márcia De Chiara

Thaís Barcellos

Aline Bronzati

12/10/2020

 

 

No vermelho. Em julho, número de empresas com dividas em atraso recuou para o menor nível no ano, enquanto 2,5 milhões renegociaram as contas; especialistas alertam, porém, que calote pode voltar com fim de auxilio emergencial e socorro a empresários

A crise econômica provocada pela covid-19 no País elevou o desemprego a níveis recordes e provocou o fechamento de um sem-número de empresas. Mas, ao contrário do que se poderia esperar, os níveis de inadimplência, sejam de pessoas físicas ou jurídicas, recuaram.

Segundo especialistas, esse quadro surpreendente é resultado direto do auxílio emergencial, dos programas de socorro às pequenas e microempresas e também da taxa de juros no piso histórico, o que permitiu um forte movimento de renegociação de dívidas por parte dos bancos. No auge da pandemia, as instituições financeiras também permitiram o adiamento dos pagamentos por 60 dias.

A grande dúvida é como o calote vai se comportar quando todos esses socorros acabarem e a economia tiver de voltar a andar com as próprias pernas. O temor é que haja uma explosão da inadimplência no início do ano que vem.

“A queda da inadimplência é algo inédito”, afirma o economista Luiz Rabi, da Serasa Experian, empresa que monitora a situação financeira de consumidores e empresas no País. Em julho, último dado disponível, 63,5 milhões de brasileiros estavam inadimplentes, segundo pesquisa da Serasa. São 2,5 milhões de pessoas a menos em relação a abril, quando o País parou por causa da covid-19. Também o número de empresas com dívidas em atraso recuou em julho para o menor nível do ano: 5,8 milhões. É exatamente a mesma quantidade de companhias inadimplentes registrada em julho do ano passado.

Outro termômetro do calote é a quantidade de empresas que pediram recuperação judicial. Isto é, que reconheceram a incapacidade financeira de pagar as dívidas em dia e solicitaram à Justiça condições especiais. Os dados, coletados em todos os cartórios do País, mostram que neste ano, até agosto, 868 empresas procuraram esse caminho, um número 7,3% menor que o registrado no mesmo período de 2019. Para os oito primeiros meses do ano, o número de processos em 2020 foi o menor desde 2015. Pelo ritmo atual, a perspectiva é que 2020 termine com 1,3 mil pedidos. Em 2019, sem pandemia, foram 1.387 Rabi diz que o risco de o calote voltar a subir está ligado, num primeiro momento, aos consumidores, e depois às empresas. “Os brasileiros que perderam renda estão pendurados hoje no auxílio emergencial, que tem data e hora para acabar (no fim de dezembro).” Se até o fim do ano o quadro for ainda ruim para o emprego, a inadimplência da pessoa física pode subir e resvalar na pessoa jurídica, que não vai receber os créditos em dia. “A inadimplência está represada, não está extinta”, alerta Rabi.

Fabio Bentes, economistachefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), considera que os bancos estão empurrando o problema da inadimplência com a “barriga”. Deram uma carência, por isso, o indicador não está saindo do lugar.”

Bancos. Do início da crise até agosto, os bancos postergaram R$ 110,5 bilhões em dívidas, em um total de 14,2 milhões de contratos, segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Desse total, a maior parcela de beneficiados é de pequenas empresas e pessoas físicas, um volume de R$ 62,2 bilhões. Neste mês, vence a primeira rodada das carências concedidas, que pode vir acompanhada de aumento da inadimplência, num cenário de desemprego elevado.

A preocupação dos bancos com risco de calote está estampada nos balanços. No segundo trimestre, Bradesco, Itaú Unibanco, Banco do Brasil e Caixa elevaram o gasto com provisões para devedores duvidosos em mais de R$ 14 bilhões, totalizando R$ 193,6 bilhões.

Simone Pasianotto, economista-chefe da Reag Investimentos, aposta em pico da inadimplência das famílias já no fim deste ano. Bentes, da CNC, lembra que o auxílio emergencial de R$ 600 foi reduzido pela metade a partir de setembro. Ele questiona se, após o fim dessas medidas, a economia terá capacidade de voltar a crescer por conta própria para fazer frente à inadimplência, uma vez que o investimento não foi retomado.

‘Represado’

“A inadimplência (de empresas e consumidores) está represada, não está extinta.”

 Luiz Rabi

ECONOMISTA DA SERASA EXPERIAN