Título: As viúvas do Gabeira estão chorando
Autor: Migliaccio, Marcelo; Almeida, Rodrigo de
Fonte: Jornal do Brasil, 02/11/2008, Tema do Dia, p. A2

ENTREVISTA : EDUARDO PAES

Na ante-sala do escritório no que fica 13º andar do prédio da Fundação Getúlio Vargas, na Praia de Botafogo, Zona Sul do Rio, surge o prefeito eleito Eduardo Paes bem disposto, mas visivelmente mais magro depois da maratona eleitoral. Em cerca de 50 minutos de conversa, revela que já conseguiu, ainda este ano, R$ 200 milhões para obras no complexo da Penha, na linha 4 do metrô (Zona Sul­Barra) e na Via Light, fora as parcerias para a revitalização da Zona Portuária. Com humor, saboreia a vitória sobre Fernando Gabeira, diz que gosta do Posto 9 ­ mas ia à praia no 10 ­ e confessa que ainda não dormiu direito desde a vitória no segundo turno. As xícaras de café e o refrigerante zero em sua mesa confirmam que o ritmo de trabalho continua frenético. Mas agora o desafio é outro: transformar as palavras da campanha em realidade, apesar da crise econômica internacional e de outros obstáculos que, ele mesmo admite, podem surgir até 2012. A seguir, a entrevista exclusiva do prefeito eleito ao Jornal do Brasil

Pela reação de alguns, parece que Fernando Gabeira venceu a eleição. ­

Eu não queria estar no lugar dele. Prefiro estar derrotado onde estou. Para vencer a eleição é preciso um voto a mais que o adversário. O que vier além disso é lucro. Estou com 54.999 lucros. Essa visão de que ele saiu ganhando é de setores importantes da sociedade que o apoiaram. A eleição acabou, mas há um monte de viúva chorando. São pessoas que respeito. Adorava o Caetano Veloso e continuo adorando. Morri de inveja ao ver o Caetano cantando no programa do Gabeira. Torço para que algum dia ele cante para mim. Não precisa ser numa campanha, mas para a prefeitura... Acho a Fernanda Torres uma excepcional atriz. Esses artistas fizeram sua opção. Mas numa democracia o voto das pessoas conhecidas vale tanto quando o das mais humildes. Agora é olhar para a frente. Quero governar para todos os cariocas.

Como pretende sinalizar isso para os eleitores? ­

Não sou de ficar emitindo sinais para setores da sociedade que não votaram em mim, como fazer um programa de subsídio ao teatro ou aos cantores do Rio. O que desejo é ser um bom prefeito. Para isso, já estou trabalhando desde segunda-feira, sempre acordando cedo. Quando a prefeitura funciona, é para todos. Claro que há quem sofra mais com a má qualidade dos serviços porque depende do poder público para tudo. Mas todos nós sentimos a ausência do prefeito Cesar Maia. As pessoas estão carentes de prefeito. A comunicação dele com a sociedade é feita por e-mail. Quando ele responde por e-mail, não dá para saber se está com a cara triste, com a cara alegre, com a sobrancelha levantada... Coisas de gente, de ser humano.

Não é uma prova de que o instituto da reeleição não dá muito certo? ­

Existem casos em que a reeleição funcionou. O mandato atual do presidente Lula é muito melhor do que o primeiro. Já o segundo do presidente Fernando Henrique foi pior. Não há uma regra para isso.

Quais serão, de fato, suas maio- res prioridades quando assumir a prefeitura? ­

A primeira prioridade é a questão da saúde, que é onde as pessoas mais sofrem. Já estamos tratando disso, o secretário Hans Dohmann está designado e trabalhando. Outra meta da qual já comecei a tratar esta semana é romper o isolamento político do Rio. E o terceiro ponto que eu gostaria de deixar marcado é o de ser o prefeito do feijão-com-arroz, o síndico, aquele que cuida do cotidiano da cidade, da conservação, da troca da lâmpada, da grama aparada na praça, da limpeza das ruas.

O segundo secretário anuncia- do, Rodrigo Bethlem, é o da ordem pública... ­

Ele vem conduzindo um trabalho importante com as operações Copabacana, Ipabacana e Barrabacana. É uma pessoa respeitada e com disposição para enfrentar esse tema, que é complicado na cidade. Vamos atuar com a Guarda Municipal, a área de licenciamento de atividade econômica, de controle urbano. Ele talvez vá ser o secretário com maior interação com as outras secretarias. Por ser uma questão de postura e atitude, podemos dar uma resposta imediata nessa área. Não é algo que exija recursos, licitações.

Como a ação social vai com- plementar esse trabalho? ­

A rua não é um lugar para se morar, não pode ser alternativa aos problemas sociais. Precisamos ter uma política social efetiva. Vamos buscar a família da criança que está na rua e ver do que ela precisa. Vamos dar tratamento adequado aos que têm problema com drogas. O que não pode, é em plena Rua da Alfândega com Rio Branco, no Centro, haver pessoas fazendo suas necessidades fisiológicas com a maior naturalidade.

O senhor pretende investir nes- sa estrutura de amparo social? Não há, por exemplo, um centro de tratamento municipal para dependência química... ­

Não há. Existe até uma Se- cretaria de Prevenção à Dependência Química, mas não tem recursos, nem políticas desenvolvidas. O secretário é até um homem de bem, o coronel Duran, mas não dispõe de recursos.

O senhor esteve em Brasília e foi ao Congresso saber como estão os projetos para o Rio. A que conclusão chegou?

­ Essa visita marca uma nova era, de interação dos três níveis de governo aqui no Rio. Já conseguimos com a bancada fluminense que alguns recursos do orçamento deste ano fossem disponibilizados para fazermos o complexo da Penha, a Via Light e a linha 4 do metrô. Algo em torno de R$ 200 milhões. O que pedimos ao Lula foram recursos referentes a emendas da bancada deste ano, que ainda não tinham sido disponibilizados. Mas o grande pedido que fiz a ele foi o investimento no Porto do Rio, que já será uma intervenção urbana fantástica na cidade. A prefeitura entra com concessões de uso, o governo federal e o Estado, com algumas áreas e o dinheiro da iniciativa privada. É um grande negócio que tem tudo para dar certo numa área importante da cidade.

Sua campanha foi muito ob- jetiva, com detalhamento do que pretende fazer na prefeitura. A crise econômica internacional, que ficou mais aguda já perto do segundo turno, pode inviabilizar algumas das metas definidas na campanha?

­ É preciso ficar claro que não vou resolver todos os problemas no primeiro dia, tenho quatro anos pela frente. O que posso dizer para a população é que não descansarei um só instante até que eu consiga viabilizar aquelas melhorias de que a cidade precisa. É claro que haverá obstáculos, que algumas coisas não conseguirei fazer.

Que obstáculos o senhor acha que vai enfrentar?

­ Os mais variados, medidas judiciais, liminares, falta de recursos...

A Câmara de Vereadores pode ser um desses obstáculos?

­ Se eu não souber lidar com a Câmara, pode. Nesta semana, repeti o que já havia feito no início da campanha: fui lá e mostrei o meu respeito pela Casa. Pedi, inclusive, que os vereadores não deliberem sobre nenhuma iniciativa do atual prefeito que demande gastos no ano que vem, porque ele mandou uma solicitação de aumento para servidores. (Paes não contém um longo bocejo e pede café a um assessor). Ainda não consegui dormir direito desde a campanha.

Não baixou a adrenalina? ­

Pelo contrário, aumentou, ainda mais agora que tenho a responsabilidade nas mãos.

Quando vai tirar uma folga?

­ Deve haver um evento rela- cionado à candidatura Rio 2016 em Istambul, em meados deste mês. Vou ver se pego uma semana para viajar com a minha mulher e dar uma arejada.

Em análise do seu ex-blog, o prefeito Cesar Maia achou que as fotos do encontro, publicadas nos jornais no dia seguinte, não traduziram o clima amistoso da reunião de vocês dois. O senhor concorda com a declaração dele?

­ É verdade. Foi uma reunião natural, civilizada, serena. O prefeito foi muito gentil comigo e eu com ele. Sabemos dividir essas coisas, não fico raivoso, guardando mágoa e acredito que ele também não fique. Disponibilizou as informações para uma transição em alto nível. Seria a pior coisa do mundo não termos acesso a todas as informações. Acabou a eleição, agora há um quase ex-prefeito e um prefeito eleito, ambos com maturidade para lidar com as situações.

E o encontro com o presidente Lula, como foi? ­

Ele disse que estava muito feliz, que sabia que a disputa aqui iria ser difícil. O presidente foi muito gentil na maneira como me apoiou. Soube superar as nossas divergências do passado, que foram públicas e notórias. Não pedi desculpas, porque estava ali numa posição de deputado, fiscalizando o Poder Executivo, exercendo meu papel. Tivemos uma conversa madura, expusemos nossas opiniões, por isso ressalto a grandeza dele. Foi diferente em relação à atitude que tive com a dona Marisa, uma mãe, porque eu tinha exagerado nas ofensas pessoais ao filho dela. A ela, pedi desculpas no plano pessoal, não político. No calor das refregas políticas, a gente passa do tom, exagera um pouco, ultrapassa os limites.

Desde a campanha ficou cla- ro que o seu secretariado seria composto por quadros tanto técnicos quanto políticos. Como espera fazer essa combinação? ­

Sou político e jamais disse que não colocaria política no meu governo. Nunca deixei de dialogar com os políticos. As alianças foram partidárias. Ninguém desconhece minhas alianças, diferentemente do que ocorreu com outras candidaturas. Existem áreas que quero respaldar tecnicamente, como saúde, educação, urbanismo, obras, Fazenda, Procuradoria. Outras vamos compor com quadros políticos qualificados.

Como estão sendo as conversas com os partidos? Com o PT, por exemplo?

­ Quero conversar ainda com os presidentes municipal e regional do partido. Quero muito que o PT participe do governo. E vou conversar pessoalmente. E com o deputado Jorge Pic- ciani (presidente da Assembléia Legislativa do Rio e membro do PMDB)? ­ Ele tem sido exemplar. Con- versamos duas vezes nesta semana, e ele não pediu nada.

Há informações de que ele es- taria conversando com o PT em seu nome... ­

Não. Quem apadrinhou a aliança com o PT foi o governador Cabral. Picciani é um aliado importante. O senhor já foi do PV. O se- cretário de Meio Ambiente será ligado ao Partido Verde? ­

Não. O PV não se elegeu, mas tenho boa relação com a vereadora Aspásia Camargo, com o Alfredo Sirkis também. Espero que ele não tenha ficado chateado por eu ter dito que ele participou dos três governos do Cesar Maia. O outro vereador eleito (Paulo Messina), não conheço, mas tanto a Aspásia quanto o Sirkis são pessoas de elevado espírito público, com grande disposição para ajudar a cidade.

E a Andrea Gouvêa Vieira (ve - readora reeleita pelo PSDB), o se- nhor convidou? ­

Não, não. Adoro a Andrea, é minha amiga, um quadro político qualificado, mas, em princípio, não. Ela deve estar numa posição de oposição formal. Tenho certeza que o que for positivo para a cidade ela vai aprovar. Há pessoas muito próximas a mim no PSDB, que votaram em mim, mas não saíram pela rua fazendo campanha.

Quem tem sido seu principal interlocutor nesta fase?

­ O governador é muito constante. Existe uma parceria muito forte. Não me preocupa que digam que estou sendo tutelado. Primeiro que o Sérgio não tem o menor saco para tutelar ninguém, nem tenho vocação para ser tutelado. São dois políticos que se entendem em perfeita harmonia, que são amigos e se admiram. Às vezes eu até peço sugestões de nomes, mas ele não me dá nenhuma. Ele diz claramente que, mesmo no governo dele, odeia nomear. Eu também acho isso a pior coisa do mundo.