Correio braziliense, n. 21060, 21/01/2021. Brasil, p. 5

 

Maia e governadores tentam destravar vacina

Maria Eduarda Cardim 

Sarah Teófilo 

Luiz Calcagno 

21/01/2021

 

 

Na falta de uma ação efetiva do governo federal contra as dificuldades que ameaçam interromper a vacinação contra a covid-19 no Brasil, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e os governadores fizeram, ontem, movimentos para tentar destravar a importação de imunizantes e a chegada de cargas de princípio ativo para que os fármacos possam ser fabricados no país. Enquanto o deputado se reunia com o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, para contornar o atraso da chegada do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) para os imunizantes replicados pelo Instituto Butantan e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), os representantes dos estados protocolaram ofício ao presidente Jair Bolsonaro cobrando um diálogo diplomático com o governo de Pequim para assegurar a importação dos insumos para a produção dos fármacos.

Maia se reuniu com o representante diplomático da China e, após o encontro, afirmou que o embaixador trabalha junto ao governo chinês para liberar os insumos para a fabricação das vacinas CoronaVac e Oxford/Astrazeneca no Brasil. Ainda de acordo com o parlamentar, Yang Wanming reiterou que o atraso no envio dos produtos ocorre por problemas técnicos, e não tem relação com os ataques promovidos por setores do governo e por bolsonaristas à China. "É incrível como a questão ideológica com alguns prevalece em relação à importância de salvar vidas", disparou Maia, ao sair do encontro.

Mas, em reunião com deputados, no fim da tarde de ontem, o chanceler Ernesto Araújo afirmou que o Ministério das Relações Exteriores não identificou nenhum problema político ou diplomático com Pequim. Justificou que o mal-estar com a China faz parte da "liberdade de expressão" e garantiu que o governo mantém contato com dirigentes chineses e indianos. Mas não deu prazo para a chegada dos insumos.

Ofício

Numa segunda iniciativa para fazer o governo federal intensificar seus esforços para a chegada do IFA ao país, o ofício dos governadores também pede que o Executivo se movimente para negociar com a Índia, de onde o Brasil aguarda dois milhões de doses da vacina de Oxford/Astrazeneca, produzida pelo Instituto Serum. E frisa que deve ser avaliada a "possibilidade de estabelecimento de diálogo diplomático com os governos dos países provedores dos referidos insumos, sobretudo China e Índia, para assegurar a continuidade do processo de imunização no país".

"A carta é um apelo, em sintonia com o povo brasileiro, para que o presidente da República, com toda a diplomacia brasileira, governadores, ex-presidentes, quem puder ajudar, para que a gente possa ter esse diálogo com o governo da China, da Índia, da Rússia, para garantir que seja cumprido o cronograma para a entrega do IFA", cobrou o governador do Piauí, Wellington Dias, que coordena, no Fórum de Governadores, a temática Estratégia Para a Vacina Contra a Covid-19.

Pressionando, o governo emitiu nota na qual afirma que "o Ministério das Relações Exteriores, por meio da embaixada do Brasil em Pequim, tem mantido negociações com o governo da China. Outros ministros do governo federal têm conversado com o embaixador Yang Wanming. No dia de hoje (ontem), foi realizada com o embaixador uma conferência telefônica com participação dos ministros da Saúde, da Agricultura e das Comunicações". Já a Embaixada da China, em postagens no Twitter, menciona o encontro com Maia e com o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.

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Conflito velado com a Índia 

Vera Batista 

21/01/2021

 

 

O fato de o Brasil não constar na lista do governo indiano de países que receberão doses prontas da vacina Oxford/AstraZeneca, apesar de estarem encomendadas dois milhões de doses produzidas pelo Instituto Serum, não é somente por uma decisão estratégica do governo de Nova Délhi ter preferido privilegiar a população de países vizinhos, a fim de criar um cinturão de imunização na região. É também porque questões ideológicas puseram Brasil e Índia em polos opostos em relação à quebra de patentes de medicamentos.

Por conta de um alinhamento incondicional ao ex-presidente norte-americano Donald Trump, o governo Bolsonaro foi um crítico da proposta feita por Índia e Ásfrica do Sul, no ano passado, na Organização Mundial do Comércio (OMC), para que patentes sobre vacinas fossem derrubadas. Em contrapartida, o Ministério das Relações Exteriores e o Palácio do Planalto acreditavam que contariam com o apoio de Washington para fazer parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A quebra dos direitos de propriedade dos imunizantes permitiria a fabricação de versões genéricas e, em tese, agilizaria a distribuição dos medicamentos contra a covid-19. Exatamente o fato de as patentes terem sido mantidas, com o apoio brasileiro à posição do governo Trump, é que emperra a produção em larguíssima escala, que favoreceria o abastecimento global.

"A questão foi a inabilidade política do governo brasileiro, que entrou em conflito com metade do mundo", explicou o embaixador Paulo Roberto de Almeida.

O ex-coordenador-geral da Qualidade do Instituto de Nacional de Propriedade Industrial (INPI), Saulo Carvalho, é enfático ao dizer que por mais que a Índia não admita, a mudança no entendimento tradicional do nosso país em relação às patentes influenciou em toda essa guerra que se estabeleceu para a compra das vacinas. "O que a Índia está querendo é que o Brasil volte a defender o projeto de democratização das vacinas", afirmou. O Brasil retirou o veto contrário à Índia, na OMC, mas isso não diminuiu o impasse.

Por meio de nota, o Itamaraty informou que "o Brasil entende que as flexibilidades do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Acordo TRIPS), entre as quais o licenciamento compulsório, são apropriadas e suficientes para fazer frente à pandemia e garantir tanto o acesso de todos às vacinas contra a covid-19 quanto para manter o estímulo a investimentos e os incentivos à inovação e à pesquisa". (Colaborou Fabio Grecchi)

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Doses são poucas e tem quem fure a fila 

Maria Eduarda Cardim 

Sarah Teófilo 

21/01/2021

 

 

Com o começo da distribuição das poucas doses da vacina contra a covid-19 disponíveis no Brasil, começam a surgir relatos de pessoas que não pertencem aos grupos prioritários que furaram a fila e conseguiram se imunizar. Desde ontem, há denúncias de que isso aconteceu no Amazonas, em Pernambuco e em Sergipe.

No caso amazonense, o Tribunal de Contas do estado solicitou ao governo de Wilson Lima e à prefeitura de Manaus que, em 24 horas, dê a lista com os nomes das pessoas que foram vacinadas e os critérios utilizados. No ofício, ele exige o controle dos imunizados, com a respectiva qualificação, e a relação de quem ainda será vacinado, incluindo os nomes dos profissionais de saúde e suas lotações.

Em Pernambuco, o Ministério Público estadual investiga um vídeo em que a secretária de Saúde de Jupi, Maria Nadir Ferro, e um fotógrafo da prefeitura teriam recebido a vacina sem que fizessem parte do grupo prioritário. Os dois foram exonerados.

Em Sergipe, outro vídeo mostra o prefeito do município de Itabi, Júnior de Amynthas se vacinando. Em nota, a Secretaria de Saúde da cidade informou que ele recebeu o fármaco "em um ato de demonstração de segurança, legitimidade e eficácia da vacina, para incentivar a população itabaiense a vacinar-se".

Enquanto isso, o Conselho Nacional de Saúde enviou, na última terça-feira, um ofício ao Ministério da Saúde solicitando a revogação de informes, orientações e protocolos que incentivem o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19. Apesar de o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, ter afirmado que nunca autorizou a indicação dos remédios, ele estava à frente da pasta, como interino, quando a Nota Informativa 17/20, que recomenda o tratamento, foi publicada pela pasta.

No documento enviado ao ministério, o conselho solicita que Pazuello revogue qualquer instrumento que possa indicar tratamento precoce com medicamentos ineficazes.

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Crítica à paralisia 

21/01/2021

 

 

A médica pneumologista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Margareth Dalcomo considerou, ontem, "absolutamente inaceitável" a falta das doses de vacinas contra a covid-19 no país e afirmou que as gestões diplomáticas do Brasil "fracassaram" nas negociações pela obtenção do imunizante na China e na Índia. O desabafo foi durante a cerimônia de entrega do prêmio São Sebastião, com o qual foi agraciada, no Rio de Janeiro.

"A incompetência diplomática do Brasil não permite que cada um dos senhores aqui presentes, suas famílias e aqueles que vocês amam, esteja amanhã ou nos próximos meses de acordo com o cronograma elaborado recebendo a única solução que há para uma doença como a covid-19", disse, emocionada.

Margareth classificou a insuficiência de vacinas como "injustificável", sobretudo para uma das principais economias do mundo, como ela fez questão de lembrar. "É hora de a sociedade brasileira mostrar realmente o que eu tenho tentado chamar atenção como médica e cidadã de consciência cívica: é absolutamente inaceitável que, neste momento, no Brasil, acabamos de receber a notícia de que as vacinas não virão da China e não virão da Índia", disse, em vídeo que vem sendo compartilhado nas redes sociais.

A Índia deixou o Brasil fora da lista de prioridades de exportação da vacina produzida pelo Instituto Serum, que replica a de Oxford/AstraZeneca. E a China ainda não libertou o princípio ativo para que mais doses da CoronaVac sejam reproduzidas, no Brasil, pelo Instituto Butantan.