O Estado de São Paulo, n.46384, 15/10/2020. Política, p.A6

 

Relator minimiza 'erros' no currículo de Marques

Daniel Weterman

15/10/2020

 

 

Em relatório favorável ao desembargador, senador diz que inconsistências não afetam saber jurídico e reputação do indicado para o STF

O senador Eduardo Braga (MDB-AM) minimizou ontem as inconsistências no currículo do desembargador Kassio Marques, indicado para o Supremo Tribunal Federal (STF) pelo presidente Jair Bolsonaro. O parlamentar apresentou ontem o relatório que vai embasar a avaliação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, responsável por sabatinar o escolhido.

O parecer do relator não é um voto, mas serve para subsidiar a decisão dos senadores. A sabatina está marcada para a próxima quarta-feira, quando também deve ocorrer a votação em plenário. Marques precisa de no mínimo 41 votos favoráveis entre os 81 senadores para ser confirmado como novo ministro do STF. Levantamento feito pelo Estadão/broadcast aponta que o magistrado tem maioria favorável na CCJ – inclusive com o voto de Braga –, cenário que deve se repetir no plenário mesmo após a divulgação de inconsistências no currículo do indicado para a vaga deixada por Celso de Mello Corte.

Marques apresentou uma pós-graduação em "Contratación Pública", pela Universidad de La Coruña. A instituição espanhola informou, no entanto, que não oferece esse curso e que o desembargador passou cinco dias na instituição. O magistrado disse que foi um "erro de tradução" e que não quis se referir à pós-graduação.

Braga atribui a polêmica a uma "confusão semântica". "Primeiro, uma confusão semântica no uso de uma palavra em espanhol no currículo do indicado foi reverberada como se grave inautenticidade fosse.

Depois, uma suposta sobreposição cronológica nos cursos que frequentou foi divulgada como indicativo de falsidade", escreveu. O termo "postgrado", que consta no currículo do desembargador, significa pós-graduação nos moldes definidos pelo entendimento no Brasil ou no exterior, título que a universidade nega ter dado a Marques.

Além disso, a dissertação de mestrado defendida por Marques em 2015 na Universidade Autônoma de Lisboa, em Portugal, tem mais de 17 páginas de conteúdo idêntico ao que está escrito em três artigos publicados anos antes pelo advogado Saul Tourinho Leal. Os dois negaram que houve plágio.

Para o relator, as polêmicas do currículo não levantam dúvidas sobre o saber jurídico do indicado e também não comprometem sua reputação. A Constituição exige que um ministro do Supremo tenha como requisitos "notável saber jurídico e reputação ilibada".

No relatório, o senador afirmou que explicações dadas por Marques aos senadores afastaram qualquer questionamento sobre a boa-fé do indicado e as informações curriculares. "Ainda que se verificasse alguma inconsistência concreta – o que não ocorreu e admite-se apenas para argumentar –, isso influiria muito pouco no exame dos requisitos constitucionais que adstringem esta Comissão de Constituição e Justiça."

Biografia. Braga escreveu que não se deve apenas olhar o currículo do escolhido, mas a biografia do indicado. Também declarou não ter informações sobre qualquer defeito em decisões e na conduta do magistrado.

"Despreza o exemplo de garra e perseverança que o piauiense Kassio Nunes Marques representa aquele que se apega às notas de rodapé e às entrelinhas de sua produção bibliográfica com o objetivo de impingir-lhe críticas vazias de conteúdo", afirmou o senador.

"Mirar abstratamente o curriculum do indicado significa retirar a dimensão humana dos conhecimentos que ele adquiriu", diz o relatório.