Título: Uma desrespeitosa invasão de privacidade
Autor: Silva, José Dirceu de Oliveira
Fonte: Jornal do Brasil, 02/11/2008, País, p. A16

EX-MINISTRO DA CASA CIVIL

Em artigo com o título O Rio resgatou o direito de sonhar publicado na Gazeta Mercantil e no Jornal do Brasil na quarta-feira (22/10), o jornalista Augusto Nunes abandona a sempre sóbria, providencial e oportuna argumentação política e desfecha uma série de ataques pessoais contra mim. Vai mais longe: invade a privacidade de família e atinge, também, a intimidade de minha ex-mulher, Clara Becker, com quem tenho um filho, Zeca Dirceu, hoje prefeito da cidade de Cruzeiro do Oeste (PR).

O artigo - o título já não deixa dúvidas - é um aberto e inconteste manifesto de engajamento do jornalista em defesa do deputado Fernando Gabeira, seu candidato e do PV-PSDB a prefeito do Rio no 2º turno da eleição desse ano. Até aí, nada demais, eu mesmo reconheci, já de público, e por mais de uma oportunidade, o direito do articulista e de quaisquer outras pessoas de optarem por um candidato e o defenderem, engajados em sua campanha, inclusive.

Mas no texto, o autor extravasa toda a sua revolta por eu ter contestado, em e-mails publicados nas seções de cartas do Jornal do Brasil e da Gazeta Mercantil, versão publicada por ele e por outros sobre encontro meu com o deputado Fernando Gabeira, ocorrido há já longínquos 5 anos.

Contestei porque a versão publicada é distorcida em tudo sobre essa reunião - seus motivos, quem participou, como ela se deu etc. O jornalista se irritou por eu ter reposto a verdade dos fatos e os dois jornais terem publicado os meus esclarecimentos.

Não vejo razão para isso porque em todas as minhas manifestações a respeito, inclusive nessa carta em que corrijo a versão difundida, eu tenho destacado que a ex-ministra do Meio Ambiente, senadora Marina Silva (PT-AC), e o ex-presidente nacional do PT, deputado José Genoino, testemunharam e podem ser ouvidos sobre o que ocorreu naquela ocasião. Augusto Nunes preferiu não ouvi-los.

Ao invés de fazê-lo, não só ele, mas toda a mídia, têm, sistematicamente, insistido na divulgação da versão errada do fato. No entanto, mais grave que a série de ataques pessoais desfechada contra mim no artigo publicado no Jornal do Brasil e na Gazeta Mercantil, é a invasão da privacidade da senhora Clara Becker.

Até porque ela é uma cidadã que não se envolve, e jamais se envolveu em sua vida, em questões públicas. "Não sou militante política e nunca fui", é uma definição dela em carta que escreveu em outubro do ano passado a um autor de novelas da Rede Globo que anunciou ter criado um personagem (de novela) inspirado em mim e no meu casamento com Clara Becker.

Não é minha intenção entrar em reminiscências e tratar nesse artigo que escrevo do fim do meu relacionamento com Clara Becker, porque estaria incursionando em uma seara que é familiar. Mas o próprio autor do artigo o fez no seu texto ao registrar que eu teria me levantado de uma mesa e partido, encerrado meu casamento com uma sintética frase: "Volto já".

Declinou, assim, um assunto que nem deveria ter entrado no texto, mas que entrou de forma distorcida. É Clara que, com sua carta, de novo repõe os fatos nos seus devidos lugares: "(...) Não fui abandonada por José Dirceu. Com a anistia, ele pediu que eu e meu filho fôssemos com ele para São Paulo. Chegamos a viver algum tempo juntos na capital paulista, mas eu tinha aqui em Cruzeiro do Oeste uma família que dependia de mim (pai, mãe, duas irmãs e meu filho) e a vida em São Paulo era muito dura. Eu tomei a iniciativa de voltar para Cruzeiro do Oeste".

Clara, aliás, conforme registra nessa sua carta, supunha estar sendo obrigada a tratar do assunto publicamente uma única vez: "Pela primeira e última vez, quero falar sobre detalhes de minha vida com José Dirceu, expondo minha intimidade em público, à minha revelia. É que não suporto mais ver repetidas as mentiras, as distorções, as agressões relativas a algo sobre o qual somente eu e ele podemos dizer, com clareza, o que aconteceu."

Encerro nesse ponto rememorações e contestações de natureza familiar e pessoal. Assuntos privativos da intimidade das pessoas podem até ser mais contundentes num processo desses, mas em 40 anos de vida pública, jamais incursionei nesse campo e não seria agora que começaria a fazê-lo.

Todos nós sabemos que uma polêmica travada nos níveis pessoal e familiar pode até se mostrar mais apaixonante para o público, mas pode ser facilmente reduzida a pó na medida em que descamba para o desrespeito e o irracional.