O Estado de São Paulo, n.46386, 17/10/2020. Política, p.A8

 

Abin vigiou 'maus brasileiros', diz Heleno

Felipe Frazão

17/10/2020

 

 

Ministro do GSI vê ‘campanhas internacionais’ para prejudicar o País e admite que agentes do órgão foram enviados a evento sobre clima

O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, admitiu ontem que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) monitorou participantes da Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP 25), realizada em Madri, em dezembro passado. Em sua conta no Twitter, ele disse que o órgão deve acompanhar “campanhas internacionais apoiadas por maus brasileiros”.

Segundo Heleno, a Abin tem competência legal para atuar na COP e continuará a agir em “eventos”. “Temas estratégicos devem ser acompanhados por servidores qualificados, sobretudo quando envolvem campanhas internacionais sórdidas e mentirosas, apoiadas por maus brasileiros, com objetivo de prejudicar o Brasil”, escreveu o ministro. “A Abin é instituição de Estado e continuará cumprindo seu dever em eventos, no Brasil e no exterior.”

A declaração de Heleno ocorreu cinco dias depois de o Estadão revelar detalhes da operação realizada por quatro agentes da Abin no mais importante evento sobre clima do mundo. A reportagem confirmou com um dos oficiais de inteligência enviados à Espanha que o objetivo era monitorar e relatar menções negativas a políticas ambientais do governo Jair Bolsonaro. Eles focaram em ONGS com as quais o governo mantém relação conflituosa, mas também observaram integrantes da comitiva brasileira e de delegações estrangeiras.

Deputados oposicionistas acionaram a Procuradoria-geral da República e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão cobrando investigação por crime de responsabilidade e ato de improbidade administrativa. Eles pedem que Heleno e o chanceler Ernesto Araújo sejam responsabilizados pela operação da Abin e pela omissão de informações ao Congresso.

Ao responder a requerimento por escrito, o Itamaraty deixou de informar no ofício à Câmara a presença de nomes da Abin e do GSI na delegação brasileira. O documento omite o vínculo funcional dos quatro oficiais de inteligência concursados da agência e de um assessor de confiança que representou Heleno na ONU. Todos foram identificados apenas como “assessores” da Presidência da República. A Constituição prevê punição por envio formal de informações falsas requisitadas por congressistas.

Apesar disso, Heleno alegou que o governo foi “transparente” porque a Abin publicou na versão antiga de seu site nota dizendo que “integrou a COP 25”, dias depois de a missão em Madri ter sido concluída. Questionados há dez dias, nem GSI nem Abin responderam a perguntas sobre a operação na

ONU. A ação foi contestada por ambientalistas, diplomatas, exchefes de delegação internacional e dirigentes de ONGS.

Tendo o elo com a Abin oculto, agentes foram credenciados na ONU pelo Itamaraty como “analistas” do GSI para supostamente participar das rodadas da COP 25. Com isso, receberam um crachá que dava amplo acesso a salas de negociação e a espaços sob responsabilidade e segurança das Nações Unidas. A suspeita da presença deles e o comportamento no pavilhão de debates e exposições organizado por ONGS, o Brazil Climate Action Hub, provocaram desconfiança na delegação.

Audiência

O ministro Augusto Heleno e o diretor da Abin, Alexandre Ramagem, serão ouvidos no Congresso sobre o monitoramento na COP. Segundo o senador Nelsinho Trad, a audiência ocorrerá assim que os trabalhos presenciais forem retomados.