Título: A agonia dos cartões de crédito
Autor: Dash, Eric
Fonte: Jornal do Brasil, 02/11/2008, Economia, p. E3

Nos EUA, corte de linhas e clientes pode causar outra onda de perdas sem precedentes.

THE NEW YORK TIMES

Primeiro veio a crise das hi- potecas. Agora, o estrangulamento dos cartões de crédito. Depois de anos enchendo os americanos com ofertas de cartões e linhas de crédito muito altas, as empresas resolveram cortar os dois, uma vez que a economia em frangalhos afeta os consumidores. A medida prejudica até mesmo os consumidores que têm crédito e ameaça a problemática indústria bancária com outra onda de perdas sem precedentes, depois de uma era dourada em que ela obteve ganhos recordes com o crédito fácil que ajudou a criar.

As instituições financeiras cancelaram uma dívida estimada em US$ 21 bilhões em empréstimos feitos por meio de cartões de crédito na primeira metade de 2008, uma vez que um número maior de devedores não pagou os empréstimos. Com as empresas demitindo dezenas de milhares de trabalhadores por causa da crise, a indústria deve perder, pelo menos, mais US$ 55 bilhões no próximo ano e meio, dizem analistas. Atualmente, os prejuízos totais chegam a 5,5% da dívida que restou dos cartões de crédito, e poderiam ultrapassar 7,9%, nível atingido depois do estouro da bolha tecnológica em 2001. ­

Se o desemprego continuar a crescer, a redução do número de cartões de crédito pode ultrapassar níveis históricos - observa Gary L. Crittenden, diretor financeiro do Citigroup.

As empresas que emitem MasterCard, Visa e outros cartões correm para estancar o sangramento, mesmo com a falta de opções que já foram usadas pelos devedores para pagar as obrigações do cartão de crédito, como linhas de crédito com a casa como garantia ou a habilidade para transferir saldos para um novo cartão.

Grandes empresas como American Express, Bank of America, Citigroup e até mesmo a Target, do varejo, começaram a aumentar as exigiências para os candidatos e estão varrendo de seus portfólios os clientes mais ariscados. A Capital One, por exemplo, fechou contas inativas e reduziu as linhas de crédito dos clientes em 4,5% no segundo trimestre em relação ao período anterior, de acordo com relatórios de fiscalização.

Restrições

As empresas passaram a evitar clientes endividados e a reduzir limites de crédito para quem já tem cartão, principalmente os que vivem em áreas afetadas pela crise imobiliária ou trabalham em indústrias problemáticas. Em alguns casos, os credores restringem até mesmo linhas de crédito depois de monitorar quem tem cartão e compra nas mesmas lojas, bem como outros devedores arriscados ou que têm hipotecas de certas firmas.

Ao mesmo tempo em que essas mudanças protegem os credores, podem assombrar os consumidores. O resultado pode ser menos crédito, que obriga uma pessoa a pagar juros mais altos e dificulta a obtenção de empréstimos.

Uma linha de crédito reduzida também pode tornar mais difícil para os consumidores administrarem seus orçamentos, uma vez que as financeiras têm 30 dias para notificar os clientes, e geralmente esperam para fazer isso depois de mover ação.

A profundidade da crise obrigou uma nação viciada em crédito a repensar seus hábitos. Muitas famílias que antes estavam felizes em comprar agora e pagar depois estão revendo a confiança nos cartões. O Tesouro, que gasta bilhões de dólares do contribuinte para arrumar o caos econômico causado, em parte, por todos os tipos de crédito fácil, começou uma campanha convidando os consumidores a entrarem no Bad Credit Hotel, jogo on-line que ensina a lidar com o crédito.

Ao mesmo tempo, as empresas estão mais temerosas à medida que a crise torna mais difícil para alguns consumidores em dificuldades pararem de usar cartões de crédito até mesmo para necessidades básicas como gasolina e comida. ­

Não vamos dizer que está tudo acabado e estender o crédito como fizemos sem medo - explica Jamie Dimon, executivo-chefe da JPMorgan. ­ Se você não tem medo, você é louco.

Nem os que têm crédito ficaram de fora. A American Express, que tradicionalmente oferece cartões para pessoas com altas rendas, disse que aumentará as taxas de juros em 2 ou 3 pontos percentuais para grande parte de seus clientes ­ medida que pode, por exemplo, elevar uma taxa de 15% para até 18%. ­

Achamos que é prudente, dada a natureza desses produtos e o ambiente econômico em que nos encontramos - analisa Daniel Henry, diretor financeiro da empresa. Alguns programas de recompensas também ficaram mais mesquinhos uma vez que os credores passaram a cortar custos. Empresas de cartão, por exemplo, substituíram televisões de telas grandes da Sonypor marcas mais baratas como forma de reduzir os custos dos prêmios.

Para clientes com menos crédito, as emissoras estão voltando atrás em ofertas que permitiram que os devedores não pagassem juros durante meses, uma vez que tentam escapar de regras de empréstimos propostas por reguladores bancários federais e pelo Congresso.

As regulamentações, ao mesmo tempo em que são benéficas para os consumidores, vão reduzir os lucros dos clientes mais arriscados das empresas de crédito. A JPMorgan está retirando alguns de seus empréstimos com juros atraentes que não eram tão lucrativos.

O fim das ofertas

As empresas, em geral, estão reduzindo bastante a enxurrada de ofertas por correio, com medidas que fariam o americano médio receber menos 13 cartas desnecessárias de cartão de crédito por ano em comparação com o nível mais alto atingido em 2005. Ofertas por cartas para clientes novos e já existentes estão prestes a cair para menos de 8,4 bilhões de unidades, menor nível desde 2004, de acordo com a Mintel Comperemedia, firma de pesquisa de marketing direto.

Pedidos on-line de cartões de crédito caíram pela primeira vez em cinco trimestres, em parte porque consumidores estão recebendo menos ofertas por correio as quais os direcionam para a web, de acordo com dados da comScore, firma de pesquisa de marketing da internet. ­

Costumávamos receber várias ofertas por semana, mas não vi uma de cartão de crédito em um ano ­ conta Brett Barry, dono de uma agência imobiliária fora de Phoenix, que descreveu seu registro de crédito como forte. ­ O que me espanta é que algumas empresas estão estendendo o crédito, mas elas não querem fazer isso pra mim.

Barry disse que, sem avisar, a American Express reduziu o limite de crédito e os cartões de crédito pessoal pelo menos quatro vezes no ano passado. As medidas também tornaram difícil para ele administrar sua folha de pagamento e orçamento. ­

Emissoras de cartões de crédito perceberam que o mercado está encolhendo e que não há espaço para cartões de crédito extras ­ revela Lisa Hronek, analista de pesquisa da Mintel. ­ As pessoas estão completamente enroladas com hipotecas e dívidas de cartão de crédito.

Ao mesmo tempo, margens de lucro dos cartões de crédito têm se estreitado, em grande parte porque os próprios custos de financiamento das empresas continuam elevados à medida que os investidores desprezam títulos de cartão de crédito, como o fizeram com as hipotecas.

Outro fator é que as taxas de juros cobradas pelos bancos até mesmo de devedores com crédito baixaram depois das ações de emergência tomadas pelo Federal Reserve (Fed, banco central americano) para minimizar a crise. Enquanto isso, os executivos dos bancos dizem que os consumidores estão começando a gastar menos.

Em outros momentos difíceis, os bancos poderiam maquiar os lucros perdidos aumentando as tarifas. Desta vez, deve haver menos margem de manobra. ­

A última vez que os custos de crédito subiram, as últimas tarifas estavam muito menores, então, emissoras de cartões poderiam voltar a isso e reprecificar mais ligeiramente ­ comenta Betsy Graseck, analista da Morgan Stanley. ­ Há mais cautela agora, e depois da crise imobiliária, o mundo está mais sensível à forma como os emprestadores se comportam.