O Estado de São Paulo, n.46387, 18/10/2020. Internacional, p.A10

 

Mudança demográfica faz Texas chegar à eleição menos republicano

Beatriz Bulla

18/10/2020

 

 

Reduto conservador. Os texanos não dão maioria de votos a um candidato presidencial democrata desde 1976, mas Trump e Biden chegam à reta final da eleição em uma disputa apertada; crescimento de regiões metropolitanas cria ‘bolhas azuis’ em ‘Estado vermelho

ENVIADA ESPECIAL A TARRANT, EUA

A última vez que o Texas votou em um presidente democrata foi em 1976, quando Jimmy Carter ganhou de Gerald Ford. Desde então, o Estado é o símbolo do conservadorismo americano. Sem apoiar armas, petróleo e bíblia, disse Donald Trump, é impossível ganhar ali. Mas Trump e Joe Biden chegam à reta final da eleição de 2020 praticamente empatados nas pesquisas locais, com 51% da média de intenções de voto ao republicano e 48% ao democrata, na disputa mais competitiva de uma geração.

Há anos os democratas aguardam que a mudança na demografia da região favoreça o partido. Na eleição de 2016, Trump teve 9 pontos de vantagem sobre Hillary, bem menos do que as diferenças de cerca de 20 pontos que republicanos antes dele tiveram no Estado. Conquistar o prêmio de 38 delegados no colégio eleitoral, o segundo maior do país, poderia tornar os democratas politicamente imbatíveis e é isso que eles esperam, ainda que não necessariamente em 2020.

A 35 minutos de carro de Dallas, o condado de Tarrant é o termômetro político do enfrentamento entre a expansão de um subúrbio mais diverso na região de Fort Worth e a manutenção do conservadorismo em cidades como Colleyville, onde as placas nos jardins são ostensivamente a favor de Trump. Diferentemente do operariado do Meio-Oeste que se identifica com a base do discurso de Trump de um outsider nacionalista, no Texas o voto é pelo Partido Republicano. “Eu não amo a personalidade dele, é agressivo, mas escolho a manutenção de valores republicanos e a proteção à liberdade religiosa e econômica”, diz Melanie Schooler, de 68 anos.

Quando as primárias do Partido Republicano foram feitas em março de 2016, os texanos preferiam o conterrâneo Ted Cruz, considerado a imagem tradicional do partido e um herdeiro do legado de Ronald Reagan. Cruz teve 43,8% dos votos, e Trump recebeu 26% dos votos.

A população do Texas cresce anualmente mais do que a dos outros Estados e o aumento é puxado pelas regiões metropolitanas. Entre 2010 e 2018, o Estado ganhou 3,5 milhões de moradores e, de acordo com o censo dos EUA, 6 dos 10 condados americanos com maior aumento populacional na última década estão no Texas. Eles abrigam ou ficam ao redor de Dallas, Houston, Austin e San Antonio, bolhas azuis de cidades democratas em meio a um Estado todo vermelho. Diferente de outros Estados do sul do país que garantem a vitória republicana, o Texas é menos rural. Quase dois terços da população está em torno de regiões urbanizadas, uma porta para os democratas.

Mas a sustentação dos republicanos está logo ao lado dos grandes centros. Colleyville fica a apenas 18 minutos de Fort Worth. Trump teve mais de 70% dos votos na cidade em 2016, apesar de ter recebido 52% dos votos no conjunto do condado de Tarrant, em linha com o resultado estadual. Em abril, quando o prefeito local autorizou a reabertura de restaurantes, igrejas, salões de beleza

e academias de ginástica enquanto boa parte do país mantinha negócios de portas fechadas em razão do coronavírus, Colleyville foi definida como a “meca dos conservadores que levou à reabertura do Texas”. A cidade virou exemplo positivo e três dias depois o governador republicano do Texas seguiu o modelo e autorizou a primeira fase de reabertura em todo o Estado.

O Texas é visto pelos democratas como uma cereja no bolo. Se virar azul ou ao menos roxo em 2020, será uma vitória importante, mas a campanha de Biden não precisa dela para ganhar no colégio eleitoral. O tamanho do Estado – que tem o dobro da área da

Alemanha e quase três vezes o Estado de São Paulo – encarece a campanha, o que faz com que os democratas prefiram gastar tempo e dinheiro em lugares menores com mesmo grau de competitividade. Biden não viajou ao Texas, apesar da cobrança de democratas. Coube à mulher do ex-vice-presidente, Jill Biden, e ao marido de Kamala Harris, Doug Emhoff, fazerem eventos de campanha no Estado.

A preferência de setores dos subúrbios por republicanos como Mitt Romney, Ted Cruz ou George Bush não aliena boa parte da base conservadora no Estado. O democrata Beto O’Rourke chegou perto de conquistar uma cadeira no Senado pelo Texas em 2018, mas o Estado ainda está 11 pontos mais à direita do que a média nacional. Não seria sem precedentes, mas analistas acreditam que é difícil uma mudança tão grande a ponto de tornar o Estado azul em um único ciclo eleitoral. “Não estou votando pelo homem, mas pelo partido. Sou cristã, para mim é muito importante o tema da liberdade religiosa e a proteção aos fetos”, afirmou Melanie.

Voto tradicional

“Não amo a personalidade dele, é agressivo, mas escolho a manutenção de valores republicanos e a proteção à liberdade religiosa e econômica”

Melanie Schoole

 ELEITORA DE TRUMP