Título: O pré-sal, os royalties e a Petrobras
Autor: D'Angelo, Chico
Fonte: Jornal do Brasil, 03/11/2008, Opinião, p. A10

DEPUTADO FEDERAL (PT-RJ) E MEMBRO DA COMISSÃO DE MINAS E ENERGIA DA CÂMARA

Em recente entrevista, o escritor Luiz Fernando Veríssimo comentou que "no Brasil, temos o mau hábito de exigir opiniões absolutas sobre tudo. Talvez porque as opiniões relativas pareçam vir de cima do muro". A observação se aplica às discussões acerca da exploração do petróleo da chamada camada pré-sal, em meio às quais temos visto um sem-número de sugestões e especulações, nem sempre baseadas em fundamentos técnicos.

O debate é sempre saudável. Mas não pode haver açodamento quando estamos diante de algo tão grandioso e estratégico: a se confirmarem as estimativas do total de reservas do pré-sal, o volume pode chegar a pelo menos 60 bilhões de barris e fazer do Brasil um dos maiores detentores de reservas provadas do mundo ¿ para termos de comparação, hoje, as reservas da Petrobras estão em torno de 14 bilhões de barris. Essas novas reservas estão a profundidades que variam entre 5 mil e 7 mil metros, ao longo de 800 quilômetros na faixa de litoral entre os Estados de Santa Catarina e Espírito Santo.

Sabemos que há um cronograma para que sejam apresentadas estratégias ao governo federal e que não podemos perder de vista a necessidade de se avançar em direção a um plano de ação objetivo. Mas não podemos correr o risco de ficarmos presos a prazos antes que o tema seja detalhada e cuidadosamente discutido e analisado. O bom senso deve ser a mola-mestra deste processo, que deve ter o compasso da razão, mas também o da urgência que as tomadas de decisão estratégicas exigem.

Até agora, a única certeza que se pode ter é que, qualquer que seja o modelo adotado para a exploração do petróleo da camada pré-sal e para aplicar o dinheiro que virá de sua comercialização, o interesse da população deverá vir, sempre, em primeiro lugar. A se confirmarem as estimativas, temos uma chance de ouro de proporcionar uma melhora significativa na qualidade de vida no país e corrigir injustiças históricas, como as presentes, por exemplo, nos sistemas de educação e saúde.

A distribuição dos royalties é um dos aspectos que estão no centro das discussões sobre a aplicação da receita que o petróleo do pré-sal trará. Há quem diga que as atuais regras devem ser mudadas, corrigindo distorções apontadas pelos que defendem esse argumento ¿ na opinião desses, seus Estados são hoje prejudicados. Sei que precisamos, sim, discutir as regras para o que virá, uma vez que estamos lidando com uma situação nova, complexa. Mas estou convencido de que não se pode alterar o pacto estabelecido para o repasse dos royalties aos Estados que hoje produzem petróleo. Essa receita não é um favor, mas o reconhecimento de que essas regiões sofrem com mazelas ambientais e sociais geradas pela própria natureza da atividade, além do conseqüente aumento da população em função da necessidade de mão de obra especializada. É assim no Estado do Rio de Janeiro, onde vemos vários municípios enfrentando tais transtornos. A má utilização dessa receita por alguns não pode servir de argumento para se mexer numa fonte de renda da qual dependem projetos de infra-estrutura e sociais já em andamento ou previstos para o futuro.

No debate que se seguirá a partir das sugestões da comissão interministerial formada para tratar do tema, precisamos levar em conta a necessidade de buscarmos um modelo que contemple soluções para os nós sociais que nosso país enfrenta há tempos. Mas que também leve em conta as demandas locais dos atuais Estados produtores. É uma questão para ser tratada com bom senso. Sem pseudo-tecnicismos bairristas.

Quanto à criação de uma nova estatal para explorar e gerir os recursos da camada pré-sal, como cidadão brasileiro e parlamentar que integra a Comissão de Minas e Energia da Câmara, até agora, não observei em nenhum fórum de discussão sobre o tema argumentos sólidos e plausíveis para a criação de uma estatal em um país que tem uma empresa com o expertise, a tecnologia e o conhecimento do solo nacional como a Petrobras, referência mundial no setor.

Prestes a alterar a cena da produção de petróleo no mercado internacional e dar um salto inédito em sua trajetória como nação que está entre os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), o Brasil ainda é um país de contrastes. Não podemos correr o risco de chegar a conclusões precipitadas e acabar como alguns países que, por não terem conseguido lidar com um presente da natureza, ficaram dependentes do petróleo, se perderam na administração das importações e exportações, não souberam buscar o equilíbrio com a valorização de sua moeda, esvaziaram os outros setores de sua indústria e acabaram em meio a uma crise que transformou o sonho da transformação em pesadelo econômico.

O momento que vivemos agora é inédito em nossa história. A seguirmos no caminho do debate sério e responsável, estamos, com certeza, livres do risco de ver o potencial de desenvolvimento que o pré-sal nos oferece ser transformado na chamada "maldição do petróleo".