Título: A municipalização da vergonha
Autor: Hugo Marques
Fonte: Jornal do Brasil, 27/01/2005, País, p. A3

Levantamento do governo federal mostra que exploração sexual de crianças e adolescentes se expande pelas cidades do interior BRASÍLIA - Levantamento da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República identificou 937 municípios em que ocorre ''exploração sexual comercial'' de crianças e adolescentes. O trabalho - feito em conjunto com a Universidade de Brasília (UnB) e o Unicef - mostra a ocorrência de um fenômeno de disseminação da exploração sexual de menores em cidades do interior do país. Para montar a lista de municípios com exploração comercial de menores, os pesquisadores cruzaram dados de sistemas de disque-denúncia com mapas rodoviários, informações da CPI da Prostituição Infantil e da Pesquisa sobre o Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial, de 2002. Maria Lúcia Leal, coordenadora do Grupo Violes - dedicado ao estudo da violência e exploração sexual - se mostra impressionada com a quantidade de cidades em que há registros do crime.

- É um número assustador de municípios - comenta Maria Lúcia.

A interiorização da violência impressionou os pesquisadores. Até então, os estudiosos se concentravam sobre as capitais e em bolsões onde os casos se repetiam, relata Maria Lúcia.

- O interior do país está tomado pela exploração sexual comercial - lamenta.

Segundo a pesquisa, São Paulo é o recordista. Há registros de exploração sexual comercial de crianças e adolescentes em 93 municípios paulistas. Minas Gerais vem logo depois, com 92 cidades e Pernambuco aparece com 70.

A pesquisa mostra ainda um grande número de municípios nos estados de Santa Catarina (57), Goiás (57), Paraná (56) e Bahia (52) onde também existe exploração de crianças e adolescentes.

O Rio de Janeiro tem 33 municípios onde a exploração foi detectada, cerca de um terço do total. O problema está disseminado pelo Estado. A exploração sexual comercial infanto-juvenil - que vitima muitas crianças com idade a partir de 10 anos - acontece desde a Região dos Lagos, incluindo Cabo Frio, Armação de Búzios e Araruama, até municípios como Volta Redonda, Paraíba do Sul e Itaboraí.

Em São Paulo, Ribeirão Preto e Barretos, municípios ricos do interior, são alguns dos que aparecem no relatório. No Distrito Federal, a exploração acontece no centro da capital e em oito das chamadas cidades-satélites, como Taguatinga, Sobradinho e Ceilândia, todas em um raio de menos de 30 quilômetros do centro de Brasília.

O secretário Especial dos Direitos Humanos, ministro Nilmário Miranda, anunciou que a meta do governo federal é erradicar até 2006 a exploração sexual de crianças e adolescentes em pelo menos 50% dos municípios incluídos na pesquisa. De início, o governo vai incentivar a criação de 110 conselhos tutelares da infância e adolescência nas cidades que ainda não possuem.

Nilmário afirmou que não há dados precisos do número de crianças e adolescentes que se prostituem por dinheiro no Brasil. O ministro negou que sejam verdadeiras as estimativas sobre a existência de 500 mil crianças que estariam nessa condição. O ministro afirmou que quer ''afastar'' estes números ''fantasmagóricos'', um ''chute'' que, diz ele, ninguém sabe de onde saiu. Para o ministro, o problema é grave mesmo sem estimativa do número de vítimas.

- Para nós, se forem 100 mil é um escândalo, se forem 50 mil é um escândalo, se forem 30 mil é um escândalo. A idéia de criança explorada sexualmente, violência que deixa marcas por toda a vida, é intolerável - afirma Nilmário.

O governo federal já recebeu 8.500 denúncias de exploração sexual desde 2003. Nilmário Miranda garantiu que nenhum caso fica na gaveta e todas as denúncias são encaminhadas ao Ministério Público. O ministro elogiou iniciativa do prefeito de Salvador, João Henrique (PDT), de punir os estabelecimentos que abrigam turismo sexual com a perda compulsória de alvará de funcionamento.

A secretária Nacional de Justiça, Cláudia Chagas, lembra que é a primeira vez que um governo faz levantamento sobre os municípios onde são registrados casos de exploração. Para a secretária, o estudo vai ser uma ferramenta importante para administrar a eficácia e a amplitude dos programas sociais e das políticas do governo federal nos pequenos municípios.

- Às vezes a gente faz uma repressão boa nos municípios, mas se não houver uma estrutura de apoio às famílias e às crianças, o problema retorna - afirma Cláudia Chagas.