Correio braziliense, n. 21063, 24/01/2021. Brasil, p. 7

 

Temor com cobertura vacinal

Bruna Lima 

Maria Eduarda Cardim 

Sarah Teófilo 

24/01/2021

 

 

Mesmo atrasado na largada da vacinação contra a covid-19 em relação a diversos países do mundo, o Brasil se prepara para viver um novo desafio ao iniciar a campanha vacinal: garantir que a maior parte da população seja imunizada. A expectativa é uma incógnita, já que as coberturas das principais vacinas do país sofrem queda acentuada desde 2015 e o presidente Jair Bolsonaro insiste em questionar a importância da imunização. Especialistas alertam que a combinação vai impactar negativamente a adesão às campanhas de vacinação contra o novo coronavírus e de todos os outros imunizantes.

Ao observar os calendários de vacinação infantil de 2019 e 2020, nenhum imunizante atingiu a meta preconizada pelo Ministério da Saúde. É possível notar uma redução de cobertura desde pelo menos 2013, com piora acentuada em 2017, quando apenas uma vacina do calendário atingiu a meta. Nos últimos dois anos, também houve uma queda na cobertura de todo o país, saindo de 77,1%, em 2018, para 64,9%, em 2020, segundo dados do portal Datasus, do governo federal (confira o quadro).

O presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Juarez Cunha, explica que o problema na cobertura vacinal das campanhas de vacinação do Brasil não é novidade, mas pode ser intensificado com o discurso que nega a importância da imunização e espalha mentiras sobre o assunto. "Um discurso negacionista, que não seja bem claro a favor da vacinação, vai, com certeza, impactar negativamente, não só a campanha contra a covid-19, mas a campanha da gripe, que vem por aí, e a vacinação de rotina que tem de ser continuada", afirma.

Antes da pandemia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) havia alertado e colocado a hesitação para vacinar entre as 10 principais ameaças à saúde pública. No Brasil, a regressão é vista claramente desde 2015. Juarez Cunha, que é pediatra, explica que existem três pontos determinantes em relação à recusa em receber a vacina: "São chamados de três Cs: confiança, complacência e conveniência".

A complacência é vista pelos especialistas como o principal fator para se explicar uma baixa cobertura vacinal. "É resultado da falsa segurança passada por doenças que as pessoas não conhecem ou nunca viram. Com isso, as pessoas acham que não têm necessidade de serem vacinadas. Isso explicaria, por exemplo, o retorno do sarampo", explica o presidente da SBIm. O sarampo foi eliminado no país em 2015, mas reapareceu em 2018 devido à baixa cobertura vacinal. O índice não é alcançado, no caso da primeira dose, desde 2017 e, desde 2013, no caso da segunda.
Outro determinante que influencia uma pessoa a não querer se vacinar é a confiança. "Uma das coisas que levam a baixas coberturas vacinais é o medo dos eventos adversos. No entanto, a confiança não diz respeito só ao produto. Você precisa ter confiança nos governantes, nas instituições, nos profissionais de saúde e na confiança na vacina", afirma o médico. Cunha destaca que a falta de confiança da população no Programa Nacional de Imunização (PNI) cresceu durante a pandemia da covid-19, diante da desinformação e da polarização dos discursos de governantes.
"Todos os grupos antivacinas foram alimentados com a politização e a polarização do tema, e, cada vez mais, eles têm penetrado nas mídias sociais, onde, muitas vezes, não conseguimos contrapor essas informações erradas. Apesar das mídias sociais terem tido uma melhora no controle do conteúdo, muitos são atingidos pelas fake news ali", diz o especialista.

O terceiro e último ponto que influencia na hesitação vacinal vista no mundo e no Brasil é a conveniência, que aborda, por exemplo, os horários de funcionamento dos postos que oferecem vacinas, a disponibilidade das doses dos imunizantes e dos insumos e os recursos humanos. "Nosso sistema público de saúde não tem sido valorizado e há um sucateamento da rede. Isso também pode ser um fator da baixa cobertura vacinal", indica o pediatra.

Calendário complexo
Especialistas destacam que o calendário vacinal do país é completo e um dos melhores do mundo. No entanto, também é complexo para os próprios profissionais de saúde. Com isso, a parte da capacitação precisa ser constantemente atualizada. É o que destaca o epidemiologista e professor em saúde coletiva da Universidade de Brasília (UnB) Jonas Brant.

"O Brasil é o país que, provavelmente, tem um dos programas nacionais de imunização mais completos e capilarizados do mundo. No entanto, nos últimos anos, acabamos trazendo novos imunobiológicos para o calendário sem trabalhar a rede de profissionais. Hoje, quando olhamos a nossa rede, os profissionais que foram treinados e que fazem parte desse processo maior já estão no final de carreira. Tem sido investido muito pouco nesta formação que vai além da atenção primária, mas do entendimento do PNI como um todo", avalia.

Outra falha, segundo o especialista, gira em torno dos investimentos na comunicação. "O volume de canais de comunicação que existia antigamente era pequeno, então a voz do Estado com um chamamento da população para uma campanha ganhava muita atenção. Hoje, com o volume de redes sociais, de comunicação que existe, essa mensagem perdeu o destaque. Então, há a necessidade de pensar novas estratégias de aproximação com a população, porque o programa de imunização sempre foi um dos principais vínculos da nossa rede de atenção primária com a sociedade".

Reconhecimento
O Ministério da Saúde não respondeu aos questionamentos enviados pelo Correio. A pasta, entretanto, já admitiu anteriormente a baixa cobertura vacinal. Em outubro de 2020, a coordenadora-geral do Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde, Francieli Fontana, reconheceu a queda da cobertura das vacinas no calendário infantil.

"Verificamos um decréscimo a partir de 2016 e a gente ainda não tem uma avaliação real do impacto da pandemia nas coberturas vacinais, mas acredita-se que vamos ter prejuízos devido a esse momento que estamos vivenciando", analisou durante participação no Jornada Nacional de Imunizações. O decréscimo citado pela coordenadora é observado, na verdade, desde pelo menos 2013, ano em que sete das 15 vacinas indicadas no calendário infantil não bateram a meta. A partir de 2017, a situação ficou pior, com apenas uma vacina atingindo a meta (BCG).

"Em 2019, nós não atingimos a cobertura vacinal para nenhuma das vacinas preconizadas para população de crianças. É um dado bastante importante, que preocupa muito o Ministério da Saúde e deve preocupar todos os profissionais de saúde, para que a gente una esforços e trabalhe para ampliar essas coberturas vacinais", diz Francieli Fontana.

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Investimento cai 36% em dois anos 

24/01/2021

 

 

Com vacinas contra a covid-19 chegando aos poucos, campanhas para incentivar a vacinação se tornam cada vez mais importantes. Essa movimentação, entretanto, não tem acontecido no âmbito do governo federal. O investimento em campanhas de imunização por parte da União sofreu redução no país nos últimos anos. Dados solicitados por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) pela agência de dados Fiquem Sabendo, especializada no tema, mostram que, em 2018, antes da mudança de governo, foi investido em campanhas de vacinação R$ 71,5 milhões. Em 2019, o montante caiu para R$ 58 milhões e, no ano passado, foi para R$ 45,7 milhões — uma redução de 36% em dois anos.

Antes disso, os valores investidos em campanhas de imunização vinham em uma crescente desde 2015. Especialistas apontam que a mobilização da população aos postos de saúde é essencial para que se alcance uma imunização desejada. O Zé Gotinha, criado para a campanha de vacinação contra o vírus da poliomielite anos atrás, por exemplo, foi um sucesso. No outro lado, há o presidente Jair Bolsonaro, que já anunciou que não irá se vacinar. O mandatário já colocou em xeque, por diversas vezes, a segurança e a eficácia das vacinas contra a covid-19.

As primeiras veiculações de publicidade do governo federal na vacinação contra a covid-19, começaram esta semana, ainda tímidas, com o lançamento de um vídeo de aproximadamente um minuto cujo mote principal é: "Brasil imunizado. Somos uma só nação". O vídeo foi publicado na última quarta-feira, nas redes do Ministério da Saúde, dois dias depois do início da vacinação em vários estados, e três dias após o início da imunização em São Paulo. A data da publicação era o "Dia D" anunciado pelo ministro Eduardo Pazuello, como sendo o começo da vacinação.

A gravação ressalta a importância de continuar a usar a máscara e manter a higienização das mãos, enquanto a vacina não chega para todos. "O Brasil é gigante, e o desafio de vacinar os brasileiros, também. Um desafio que vai além da saúde. É uma questão humana e econômica, pois muita gente depende disso. Ninguém pode ficar para trás. E com a união de todas as nossas forças, as vacinas aprovadas pela Anvisa já estão sendo distribuídas em todo o Brasil", traz um trecho. O vídeo mostra, também, militares transportando imunizantes CoronaVac.

Promessa
No Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a covid-19, divulgado pelo governo federal no fim do ano passado, constam informações sobre elaboração de campanha publicitária, pontuando que o início teria "mensagens de antecipação e preparação, passando em seguida para a próxima fase de informação à população com clareza: como, quando, onde e para quem será a primeira etapa e demais etapas", o que não ocorreu.

"Baseada nestas premissas, a campanha de comunicação está sendo desenvolvida em duas fases: Fase 1 — Campanha de informação sobre o processo de produção e aprovação de uma vacina, com vistas a dar segurança à população em relação a eficácia do(s) imunizante(s) que o país vier a utilizar, bem como da sua capacidade operacional de distribuição. Fase 2 — Campanha de informação sobre a importância da vacinação, públicos prioritários e demais, dosagens, locais etc. Prevista para iniciar assim que tenhamos a definição das vacinas", segue o documento. (BL e ST)