Correio braziliense, n. 21064, 25/01/2021. Política, p. 3

 

Tudo ou nada pela Câmara

Luiz Calcagno 

25/01/2021

 

 

Retaliações, ataques pessoais e a má gestão da crise sanitária provocada pelo novo coronavírus são algumas das cartas nas mãos dos principais adversários na batalha pela Presidência da Câmara. Nesta última semana de campanha, Baleia Rossi (MDB-SP), candidato de Rodrigo Maia (DEM-RJ), vai engrossar o discurso para destacar a "incompetência" de Jair Bolsonaro no combate à pandemia e relacioná-lo ao líder do Centrão e candidato do Planalto na corrida, Arthur Lira (PP-AL), seu principal adversário.

Lira, por sua vez, já deu o recado. Quem tem cargo no governo e apoia Baleia perderá a vaga. Foi o que aconteceu com o deputado Áureo (SD-MG), que teve três indicados extirpados do Executivo. Exímio articulador, o líder do Centrão tem a máquina do Estado a seu favor e deve levar a disputa aos minutos finais. Até 1º de fevereiro, Maia e Baleia também vão fortalecer o corpo a corpo e buscar apoio de governadores, considerados importantes para a reeleição dos parlamentares em 2022.

Além da dupla, disputam a presidência da Casa os deputados General Peternelli (PSL-SP), Capitão Augusto (PL-SP), Fabio Ramalho (MDB-MG), André Janones (Avante-MG), Marcel Van Hattem (Novo-RS), Alexandre Frota (PSDB-SP) e Luiza Erundina (Psol-SP). À espera de uma surpresa no placar, o grupo da terceira via também segue no mano a mano com deputados. Se os candidatos não tiverem como vencer no primeiro round, podem, ao menos, levar a disputa para o segundo turno. Analistas veem Lira em uma posição de vantagem, mas o risco de novos colapsos nos sistemas públicos de saúde no Pará, em Rondônia, em Roraima e no Rio de Janeiro, a exemplo do ocorrido em Manaus (AM), pode ser um revés.

Doutor em Ciência Política, professor e pesquisador do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Ricardo Ismael destaca que Lira está em posição relativamente confortável. Bolsonaro seguirá dependendo do Centrão e Baleia não romperá com o adversário ou com o grupo. "Porém, Baleia Rossi é um candidato competitivo", avalia. "Agora, Maia vai tentar, principalmente nos últimos dias, conversar ainda mais com partidos e lideranças, para consolidar a vitória. Ele joga com o desgaste do governo, até para intimidar os deputados a declarar voto em Arthur Lira. O contexto dos últimos dias é de um Bolsonaro na defensiva e de dificuldade dos deputados saírem em defesa do governo", analisa.

Bolha
O cientista político lembra que o pleito também mira 2022. De um lado, os cargos no governo que Lira poderá oferecer favorecem a reeleição. Maia, por sua vez, poderá sair como vice-candidato em uma chapa na disputa pela Presidência da República ou se candidatar ao governo do Rio. Para isso, ficaria com um cargo de destaque oferecido pelo seu candidato, Baleia Rossi. Por fim, Ismael acredita que o cenário ainda é cinzento e os deputados se comprometerão com os dois lados antes de decidirem em quem votar.

Nos próximos sete dias, a tendência é de que aumente a exposição pública dos candidatos e de que ataques pelas redes sociais também se intensifiquem, avalia o analista do portal Inteligência Política Melillo Dinis. "O que me preocupa é que 2021 vai ser um ano duríssimo", alerta. "Vai aumentar a fome. A covid-19, em Manaus, está descontrolada, e cenários semelhantes começam a ocorrer em outras cidades. A economia será retomada em 'K', quando o andar de cima cresce e a grande massa da população segue jogada na miséria. Será necessário um Congresso capaz de dar resposta a isso", afirma. "O que vai ser colocado nos próximos dias é qual o projeto dos candidatos, pois estão vivendo na bolha da eleição do Congresso."

Outra variável do jogo, na última semana, é a falta de consenso nas bancadas. Por mais que as lideranças partidárias criem uma coalizão de 11 partidos em torno de Baleia, não há consenso entre os parlamentares. "Na decisão do PT de apoiar o Baleia, os favoráveis ganharam por quatro votos. E, depois, tem o voto secreto. Não vai ter punição para quem votar no Lira", assinala o analista político da Consultoria Dharma, Creomar de Souza. Um exemplo é o PSol, que rachou na votação e as disputas do partido recrudesceram depois que Erundina postou nas redes sociais que os colegas favoráveis a apoiar Baleia estariam interessados em cargos.

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Entrevista - Luiza Erundina 

Wesley Oliveira 

25/01/2021

 

 

Única mulher entre os nove candidatos à presidência da Câmara dos Deputados, Luiza Erundina foi escolhida pelo PSol, após o partido ser o único da oposição a não fechar acordo com o bloco do também candidato Baleia Rossi (MDB-SP). A parlamentar, de 84 anos, chega na disputa apenas dois meses depois de ter concorrido como vice-prefeita na chapa de Guilherme Boulos à prefeitura de São Paulo.

Em entrevista ao Correio, a parlamentar destaca que vem sofrendo pressão de diversas lideranças partidárias para que abra mão de sua candidatura, no entanto, ela descarta essa possibilidade. Na sexta-feira, Erundina criticou o partido no Twitter ao reclamar de supostas negociações da sigla com outras legendas: “É lamentável que o PSol negocie suas convicções e compromissos políticos históricos ao aderir ao fisiologismo e à barganha por cargos na Mesa da Câmara. Essa é uma prática dos partidos de direita com a qual eu não compactuo”.

O PSol foi o único partido da oposição que não aceitou embarcar na candidatura de Baleia Rossi. A senhora concorda com esse posicionamento da esquerda e qual o objetivo da sua candidatura?

Eu aceitei esse convite com muita honra. O PSol tentou um acordo com os diversos partidos da oposição, para que nós tivéssemos uma candidatura própria e de forte oposição ao governo Bolsonaro. Não precisava ser o meu nome, mas, infelizmente, não chegamos a um acordo, pois eles entenderam que a melhor opção para derrotar o candidato do Bolsonaro era apoiar o Baleia no primeiro turno. Respeito. Mas acredito que nossa candidatura abre discurso para debatermos com a sociedade e com esse espaço vamos poder apresentar nossas ideias. É assim que se faz política.

A senhora faz várias críticas ao governo, mas de certa forma a Câmara não influencia nas pautas do Executivo?

Totalmente. A Câmara tem o poder de segurar um governo. Nos últimos anos, o presidente (Michel) Temer tinha popularidade baixíssima, mas tinha o apoio da maioria da Câmara e do presidente Rodrigo Maia. Então, ele conseguiu sobreviver. O mesmo ocorre agora com o presidente Bolsonaro. Não tem como culparmos apenas o Temer ou o Bolsonaro; o Maia e a Câmara também são culpados.

Em um eventual segundo turno entre os dois principais candidatos, Baleia Rossi (MDB-SP) e Arthur Lira (PP-AL), o PSol irá se juntar aos demais partidos da oposição na candidatura do Baleia?

Estou sofrendo muita pressão, nos últimos dias, para que eu abra mão da minha candidatura, mas isso eu garanto que não irei fazer. Vamos até o final. Eu respeito à decisão dos companheiros, mas também entendo que um partido como o PSol nasceu para fazer aquilo que acredita. Em um eventual segundo turno, nós iremos votar no Baleia, pois é a opção contra o candidato do Bolsonaro. Sabemos que ele não é a melhor opção, mas, como foi colocado como o contraponto ao bolsonarismo, é nele que iremos votar.

Na Câmara, o PT embarcou na candidatura do Baleia justamente pelo discurso de ser contraponto ao candidato do Bolsonaro. No entanto, no Senado, o PT está apoiando Rodrigo Pacheco (DEM-MG). A senhora ver alguma incoerência?

Vemos lá uma composição de companheiros e companheiras que, na prática, são de esquerda. Acredito que essa posição não seja a melhor, mas eu respeito às convicções das pessoas. Eu acho um equívoco dos companheiros que acham que com aquele candidato vão salvar a pátria. Não vão. Não vão derrotar o Bolsonaro elegendo um candidato ou outro. O que vai derrotar o Bolsonaro são as ruas, as pessoas ocupando as ruas e batendo panela. É isso que derruba governo.

Todos os demais candidatos afirmam que a solução para o Brasil são as reformas que estão paradas no Congresso, como a tributária, a administrativa e outras. Como a senhora vê essa discussão?

Se a gente chegar lá na presidência, vamos tirar de pauta essas matérias para pensarmos de outra forma. Quando eles falam de reforma tributária, não é para tributar grandes fortunas, não é para combater a sonegação de impostos, não é para tirar dos ricos e diminuir os tributos dos pobres. Se for para isso que eles querem reforma tributária, aí, sim. Sabemos que não é para isso, eles querem é diminuir o tamanho e a força do Estado. A gente precisa de uma reforma tributária que faça justiça fiscal, que tire mais do rico e menos do pobre. Nenhum deles toca nesses assuntos. Portanto, essas reformas que estão pautadas nos termos que o Paulo Guedes (ministro da Economia) quer e que a direita quer, não servem para o nosso povo. Por isso, precisamos tirar de pauta. A reforma administrativa deles é para demitir servidor público, já que eles têm ódio de servidor público. Eles querem privatizar e terceirizar tudo. Passar a saúde e a educação para a iniciativa privada. É isso que eles querem.

O presidente Bolsonaro defende a adoção do voto impresso no Brasil, pois não confia no sistema eletrônico das urnas brasileiras. A senhora acha necessário que haja mudanças no sistema de apuração dos votos no Brasil?

Isso é um pretexto que ele (Bolsonaro) está criando para criar dúvidas na população brasileira. Ele vem com esse discurso desde que não ganhou no primeiro turno das eleições presidenciais. Isso é um absurdo. O pretexto dele é dizer que, se ele não chegar em 2022 como candidato ou sair antes, será por conta do sistema eleitoral. É simples colocar no método, sabemos que não é por aí. Ele usa tudo para justificar os crimes dele. Ele não assume como responsável pelos crimes, pelas mortes, pelos 14 milhões de desempregados, ele não quer se sentir o responsável por tudo isso. O nosso sistema eleitoral é celebrado no mundo todo.

O partido da senhora protocolou um projeto na Câmara para acabar com o voto secreto nas eleições para a Mesa Diretora do Congresso. Qual a intenção dessa proposta?

A gente pode surpreender-se em alguns momentos, mas sabemos que é muito remota a aprovação de uma proposta dessas, mas nós temos que apresentar. É inaceitável o que eles fazem durante essas eleições. O PSol tem que cutucar e tem autoridade para isso. Somos um partido pequeno e com ideologia. Viemos para isso, não temos outra função. Estamos aí para tentar mudar as coisas, mesmo que não haja força neste momento. Mais cedo ou mais tarde essa militância política vinga. As sementes políticas que eu plantei vingaram, pois elas tinham sentido.