O Estado de São Paulo, n.46389, 20/10/2020. Metrópole, p.A12

 

Vacina chinesa é a que tem menos efeitos colaterais entre as testadas, diz Butantan

Fabiana Cambricoli

Paloma Cotes

20/10/2020

 

 

A incidência de eventos adversos entre os voluntários do instituto foi de 35%, ante ao menos 70% na comparação feita com as pesquisas de outros quatro imunizantes em análise avançada, sob a responsabilidade de Moderna, Pfizer/biontech, Astrazeneca e Cansino

O Instituto Butantã informou ontem que os testes brasileiros da vacina Coronavac, conduzidos em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac, mostram que o imunizante é o mais seguro entre todos os que estão em fase final de testes no mundo por apresentar o menor índice de efeitos colaterais.

Os dados consideram o acompanhamento de 9 mil voluntários brasileiros já vacinados no País. No monitoramento feito após sete dias da aplicação, os pesquisadores observaram apenas efeitos colaterais leves, como dor no local e na cabeça. Não houve registro de eventos adversos graves nem febre alta.

"Fizemos o comparativo desses dados com o que está disponível na literatura científica das vacinas que estão sendo testadas. A vacina do Butantã é a mais segura. Todas tiveram efeitos colaterais grau três, que são os mais importantes. A vacina do Butantã não teve. Febre é outro indicativo importante, e na do Butantã foi de apenas 0,1%. Em febre acima de 38 graus, foi zero. É a vacina mais segura neste momento, não só no Brasil, mas no mundo", disse Dimas Covas, diretor do instituto.

De acordo com dados apresentados pelo Butantã, a incidência de eventos adversos entre os voluntários foi de 35%, ante ao menos 70% em outros imunizantes. A comparação foi feita com dados das pesquisas de Moderna, Pfizer/biontech, Astrazeneca e Cansino. "O sintoma mais frequente foi dor no local, num patamar de 18% entre todos os que receberam placebo ou vacina. O outro foi dor de cabeça, que pode estar relacionada com a vacina ou não. E os demais efeitos, como mialgia, fadiga, calafrios, são menores que 5%", completou o cientista.

Eficácia. Conforme antecipado pelo Estadão no domingo, embora os testes no Brasil comprovem a segurança da Coronavac, os dados de eficácia do imunizante só devem sair no fim do ano. Depois da conclusão dos testes, o Butantã terá de enviar os resultados à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para solicitar o registro do produto. O órgão tem até dois meses para emitir um parecer, o que torna improvável que a vacinação tenha início ainda em 2020, como já prometido pelo governador João Doria (PSDB).

Anteriormente, Doria havia anunciado que a previsão era iniciar a imunização no Estado no dia 15 de dezembro, com profissionais de saúde. Na coletiva de imprensa desta segunda-feira, os representantes do governo afirmaram que não é possível dar uma nova data para início da vacinação, pois dependem da inscrição de mais voluntários, que devem chegar a 13 mil, e do contato desses participantes com o vírus, para confirmar que o imunizante protege de fato. "Houve uma diminuição no número de voluntários incluídos nas últimas semanas, daí a necessidade de reforçar que mais voluntários se inscrevam", ressaltou Covas.

João Gabbardo, do Centro de Contingência contra a Covid19, afirmou que outro entrave para a finalização do estudo é atingir o número mínimo de infectados pela covid-19 entre o grupo de voluntários para saber se a incidência da doença foi maior entre o grupo placebo do que entre o grupo vacinado, o que comprovaria o caráter protetor do produto. Os voluntários dos testes da Coronavac são todos profissionais de saúde, justamente por estarem mais expostos ao vírus.

No entanto, como a circulação do vírus diminuiu em São Paulo e no País nas últimas semanas, chegar ao número mínimo de infectados para a comprovação de que o imunizante funciona se torna mais difícil e demorado. Para a primeira análise de eficácia da Coronavac, são necessários 61 casos de contaminados entre os voluntários. "Queremos aumentar a velocidade (de pessoas contaminadas entre os voluntários para checar eficácia), mas a transmissibilidade tem diminuído entre os profissionais de saúde justamente por causa das medidas efetivas que tem sido adotadas. Então isso joga contra", afirmou Gabbardo.

Podem participar dos testes da Coronavac profissionais de saúde que estão na linha de frente de atendimento, sem limite de idade. A inscrição deve ser feita diretamente com o hospital ou instituto de pesquisa participante. São 16 espalhados pelo País.

Próximos passos. Doria voltou a afirmar que espera que a vacina, caso se mostre eficaz, seja incorporada pelo Ministério da Saúde para vacinação de todos os brasileiros. Ele disse que terá uma reunião amanhã com o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e com o diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, para tratar do tema.

A Coronavac começou a ser testada no Brasil no fim de julho, com previsão inicial de 9 mil voluntários em 12 centros de pesquisa. Em setembro, o Butantã obteve aval da Anvisa para aumentar para 13 mil o número de participantes do ensaio clínico, que ganhou mais quatro centros.

Justificativa

"Houve uma diminuição no número de voluntários incluídos nas últimas semanas. Daí a necessidade de reforçar as inscrições."

Dimas Covas

DIRETOR DO BUTANTÃ

PARA LEMBRAR

46 milhões de doses previstas

Caso o imunizante comprove eficácia, já há acordo entre o governo paulista e a farmacêutica chinesa para fornecimento de 46 milhões de doses ainda este ano. A Sinovac vai enviar 6 milhões de doses da vacina já prontas, enquanto outras 40 milhões serão formuladas e envasadas em São Paulo. Outras 14 milhões de doses devem ser fornecidas até fevereiro do ano que vem. A coronavac é hoje a vacina com pesquisa em estágio mais avançado no Brasil, com 9 mil dos 13 mil voluntários já imunizados. O imunizante desenvolvido por Oxford em parceria com a Astrazeneca está em etapa similar, com 6 mil dos 10 mil voluntários previstos já imunizados com ao menos uma dose, segundo informações da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que coordena o braço nacional da pesquisa. Estão em teste no Brasil ainda as vacinas da Pfizer e da Janssen. A última interrompeu os estudos globais para investigação de efeito colateral em um voluntário estrangeiro.