Correio braziliense, n. 21067, 28/01/2021. Política, p. 2

 

Bolsonaro interfere na eleição da Câmara...

Augusto Fernandes 

Ingrid Soares 

Jorge Vasconcellos 

28/01/2021

 

 

O presidente Jair Bolsonaro mergulhou de vez nas disputas eleitorais do Congresso, que ocorrem na próxima semana. Ontem, o chefe do Executivo pediu apoio de parte da bancada do PSL ao candidato dele para a Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Sem esconder o interesse pela eleição que vai definir o sucessor de Rodrigo Maia (DEM-RJ), ele, agora, diz que vai "se Deus quiser, participar e influir na Presidência da Câmara".

A reação de Bolsonaro surge num momento em que ele é, cada vez mais, criticado por parlamentares pela postura diante da pandemia do novo coronavírus. Tanto que, nesta semana, foram apresentados à Câmara novos pedidos de impeachment contra ele por suposto crime de responsabilidade na condução da pandemia. Preocupa o presidente o fato de que o principal rival de Lira na disputa, Baleia Rossi (MDB-SP), já ter prometido que vai analisar os processos, caso vença o pleito para chefiar a Casa.

Dessa forma, depois de passar meses dizendo que nunca interferiria nas eleições do Legislativo, Bolsonaro começou a se movimentar para que a Câmara seja comandada por alguém aliado do governo. Aproveitando a divisão interna de alguns partidos e frentes parlamentares, passou a estimular as dissidências e, ontem, reuniu-se com deputados do PSL para deixar clara a sua posição.

"Viemos fazer uma reunião com 30 parlamentares do PSL e vamos, se Deus quiser, participar, influir na Presidência da Câmara, com estes parlamentares, de modo que possamos ter um relacionamento pacífico e produtivo para o nosso Brasil", afirmou o mandatário. "Esse pessoal que foi lá é o pessoal que está do nosso lado do PSL. Quero participar com eles nesta construção de para qual partido nós iremos a partir de março."

De acordo com deputados que estiveram no encontro, Bolsonaro disse que Lira, dificilmente, será derrotado. Isso porque, o presidente aposta que muitos congressistas filiados a legendas que prometeram votar em Baleia Rossi, principalmente do DEM, devem trair o emedebista. Para estimular o PSL a escolher Lira, o chefe do Planalto instruiu a sigla a cobrar algum posto de importância na próxima Mesa Diretora, como a Vice-Presidência da Câmara.

Segundo Bibo Nunes (PSL-RS), o partido tentará emplacar Major Vitor Hugo (PSL-GO), ex-líder do governo na Câmara, como vice na chapa de Lira. Ele ressaltou que o colega "será o vice-presidente, merecidamente, para o bem da Câmara e por bem dos aliados do presidente". "Vamos tentar pegar a primeira vice com o Major Vitor Hugo. Vamos tentar, pois somos 36 deputados do PSL. A maioria", frisou.

Por sua vez, Vitor Hugo destacou que o PSL deve apoiar Lira em massa. "Hoje, temos uma lista consolidada de 36 deputados e temos notícia de que vários outros, que não assinaram a lista, também apoiam o deputado Lira", disse. "E nós imaginamos, nas nossas contas, que podemos chegar até próximo de 50 votos dentro do PSL para ele, independentemente de terem assinado a lista formalmente trazendo para o bloco do Arthur o PSL."

O parlamentar entende que a vitória do líder do Centrão pode facilitar a análise de pautas relevantes para o governo, sobretudo as que envolvem a agenda de costumes. Para ele, Maia atrapalhou os interesses do Planalto.

"A posição do PSL está consolidada em torno do Arthur Lira. Isso vai ser muito bom para o país e para as pautas que precisamos avançar, como a reforma tributária e a administrativa, que ficaram paradas na Presidência atual, que muito prejudicou o nosso país", afirmou.

Reforma ministerial
Na articulação por Lira, Bolsonaro tem feito promessas de renovar a Esplanada para acomodar as indicações de parlamentares que votarem no candidato do Executivo. As pastas com mais chances de sofrerem alterações são a da Cidadania e a da Secretaria de Governo, comandadas por Onyx Lorenzoni e Luiz Eduardo Ramos, respectivamente.

Mas outras estão no radar do Centrão. Os ministérios da Saúde, de Eduardo Pazuello, e das Relações Exteriores, de Ernesto Araújo, são cobiçados pelos partidos devido à pressão que o Planalto tem sofrido para retirar os dois ministros.

O Desenvolvimento Regional e a Agricultura também podem entrar na negociação. A primeira pasta é desejada por congressistas devido à importância para o governo, visto ser um ministério que define o destino de boa parte das emendas parlamentares. Já a segunda faz parte das conversas porque seria uma forma de Bolsonaro agradar a bancada ruralista. Recentemente, o presidente reclamou da preferência de alguns líderes da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) por Baleia Rossi. depois, parte do grupo tomou café da manhã com o mandatário e prometeu apoiar Lira.

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... E Maia fala em "anexo do Planalto"

Luiz Calcagno 

28/01/2021

 

 

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), acusou o presidente Jair Bolsonaro de querer fazer da Casa um "anexo do Palácio do Planalto". O parlamentar fez referência à declaração do chefe do Executivo de que vai "se Deus quiser, participar e influir na Presidência da Câmara". O deputado aproveitou para defender seu candidato na eleição, Baleia Rossi (MDB-SP).

"É um alerta aos deputados e deputadas, que a intenção do presidente é transformar o Parlamento em um anexo do Palácio do Planalto, o que enfraquece o mandato de cada deputado e o protagonismo da Câmara nos debates com a sociedade", enfatizou Maia. "Precisamos de um candidato que dialogue, que tenha equilíbrio, como o Baleia. O Baleia não é oposição. O Parlamento é outro poder e, sendo outro Poder, cada mandato se dá com a liberdade que o presidente da Câmara tem para definir a pauta, com a sociedade, o governo, mas, principalmente os 513 deputados e deputadas."

Nos últimos dias do mandato à frente da Câmara, após três gestões seguidas, Maia luta para emplacar Baleia como sucessor, ao mesmo tempo que tenta se manter relevante no debate público. O governo afirma que o parlamentar sairá menor do cargo, já que a batalha que trava para alçar o emedebista vem sofrendo diversos reveses, inclusive, dentro do próprio partido. Deputados próximos divergem sobre o assunto.

Um parlamentar, sob a condição de anonimato, afirmou que a eleição tem forte papel nesse desgaste e que, sim, Maia sai menor, mas que isso não é definitivo na política. Um dos erros do atual presidente da Câmara teria sido, justamente, a demora em escolher um sucessor. Ele estaria interessado na possibilidade de reeleição, embora sempre tenha negado publicamente. "Hoje, ele sai menor, mas política é uma coisa dinâmica. Quem está forte hoje; amanhã, enfraquece. E vice-versa. Se ele for para a chefia da Casa Civil do (João) Doria e o governador de São Paulo virar presidente do Brasil, por exemplo, a situação muda", avaliou.

Amigo de longa data de Maia, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) discordou. "Natural que uma longa gestão produza desgaste. Ainda mais num ambiente político tão contaminado quanto o atual", ponderou. "O racha no DEM diminuiu o peso e o tamanho do partido. Politicamente, Maia tornou-se maior do que o DEM."