O Estado de São Paulo, n.46390, 21/10/2020. Economia, p.B5

 

O Copom contra parede

Fábio Alves

21/10/2020

 

 

Ninguém espera que o Copom irá mexer na taxa Selic, hoje em 2,0%, na sua reunião marcada para a próxima semana, mas chegou a hora de os diretores do Banco Central qualificarem melhor o que chamam de "regime fiscal", cuja manutenção é um dos requisitos para a prescrição futura da política monetária, de que os juros seguirão no patamar atual por um longo tempo.

É bom lembrar que, na sua última reunião, o Copom deu dois recados importantes. O primeiro é que "o espaço remanescente para utilização da política monetária, se houver, deve ser pequeno". Ou seja, deixou a porta aberta para mais um corte da Selic.

E a segunda mensagem foi a prescrição futura ("forward guidance" no jargão financeiro em inglês) de que não pretende reduzir o grau de estímulo monetário, o que significa, em outras palavras, que não pretende elevar os juros.

Mas isso só acontecerá, segundo o Copom, se as expectativas e as projeções de inflação no seu cenário básico estiverem "suficientemente" próximas da meta para o horizonte relevante da política monetária, o que inclui 2021 e, em menor grau, 2022. O Copom advertiu que essa intenção é "condicional à manutenção do atual regime fiscal e à ancoragem das expectativas de inflação de longo prazo".

Diante das repetidas ameaças ao teto de gastos, com as recentes especulações de que o auxílio emergencial seria prorrogado para os três primeiros meses de 2021 ou que as fontes de financiamento ao programa Renda Cidadã, que substituiria o Bolsa Família, não passariam pelo corte de despesas, há um crescente debate no mercado sobre o que representaria uma quebra do regime fiscal. Despesas extras de apenas R$ 30 bilhões, por exemplo, além do limite do teto, poderiam ser qualificadas como o fim desse regime? Ou somente o fim do teto como um todo?

Para muitos, a piora recente no cenário fiscal já tornou obsoleta a prescrição futura do Copom. Mas tanto no comunicado, quanto na ata da última reunião, o Copom deixou vago ou amplo demais o conceito do que é o regime fiscal.

À luz das recentes especulações sobre o Orçamento de 2021, da prorrogação do auxílio emergencial, do financiamento do Renda Cidadã e da aprovação de reformas, como a PEC Emergencial, o Copom não terá mais como fugir em detalhar o que, de fato, seria uma quebra do regime fiscal no teor do comunicado ou da ata da sua próxima reunião. Em meio a tanto vaivém e informações desencontradas no governo, o grau de incerteza fiscal para 2021 é altíssimo.

Para muitos analistas, o balanço de riscos que influencia os próximos passos do Copom teria que incorporar uma clara fragilização da perspectiva do regime fiscal atual. Portanto, sem o Copom caracterizar melhor o que chama de regime fiscal, aumentou o risco de o BC remover a prescrição futura.

Na fotografia de hoje, talvez seja improvável o Copom remover do comunicado ou da ata da sua próxima reunião a sinalização de que os juros ficarão no nível de 2,0% por tempo prolongado. Isso porque, na hora em que tirar a prescrição futura da sua comunicação, ainda que isso não implique numa elevação imediata da Selic, o mercado interpretará que o período em que os juros ficarão parados será bem mais breve do que o inicialmente sinalizado. A pergunta seguinte não será nem tanto quando subirão os juros, mas quanto será a primeira alta ou em que ritmo será o aperto monetário para conter o estrago da quebra do regime fiscal.

Além da prescrição futura, o Copom terá que dizer se ainda há espaço para um corte adicional de juros. A inflação corrente vem surpreendendo para cima, diante do choque nos preços de alimentos. Com isso, a mediana das projeções do IPCA em 2020 subiu rapidamente de 1,99% há quatro semanas para 2,65% na mais recente pesquisa Focus. E não são poucos os analistas que já estimam uma inflação de 3,0% neste ano, embora bem abaixo da meta de 4,0%. O temor é que as expectativas inflacionárias para 2021 comecem a andar rápido.

É provável que o Copom feche de vez a porta para um corte adicional de juros. A questão é se jogará luz sobre a aguda incerteza fiscal que paira sobre o mercado.

COLUNISTA DO BROADCAST