Correio braziliense, n. 21067, 28/01/2021. Política, p. 4

 

R$ 20 milhões em gastos no cartão

Rosana Hessel 

28/01/2021

 

 

A Presidência da República está na contramão dos ministérios da Esplanada, que reduziram seus gastos devido à pandemia de covid-19. O Palácio do Planalto turbinou as despesas pagas com cartão corporativo em 2020, que chegaram a R$ 20,1 milhões, conforme dados do Portal da Transparência da Controladoria-Geral da União (CGU). Esse volume é 27,2% superior aos R$ 15,8 milhões desembolsados em 2019. Ao todo, o volume de gastos com cartão corporativo em toda a Esplanada somou R$ 170,8 milhões, no ano passado, 36,4% inferior aos R$ 268,4 milhões despendidos em 2019.

A Presidência foi o órgão que registrou o segundo maior gasto e superou pastas que estavam à frente, no ano passado, como os ministérios da Justiça, da Educação e da Economia. Apenas um único CPF responde por 95% do total das despesas cobertas pelo cartão, que "está sob sigilo". Essa pessoa foi responsável pelos gastos de R$ 19,1 milhões, volume 27% superior aos R$ 14,9 milhões pagos pelo contribuinte em 2019 para o mesmo CPF. Procurados, o Palácio do Planalto e a CGU não comentaram essa variação que fez a Presidência ocupar a vice-liderança de gastos com cartão corporativo da União.

No topo da lista desses gastos, o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) registrou queda de 5,5% nas despesas com o cartão no ano passado –– R$ 115,2 milhões. Procurada, a pasta informou que essas despesas "são referentes, quase integralmente, às transferências obrigatórias para Ações de Defesa Civil". "Por lei, os recursos para ações de socorro e assistência humanitária têm transferência simplificada, realizada exclusivamente pelo Cartão de Pagamento de Defesa Civil (CPDC)", destacou. De acordo com a pasta, os gastos efetivos do ministério por este método de pagamento somaram R$ 579,7 mil.

Diante desse dado, a Presidência foi, efetivamente, o órgão do Executivo que mais teve despesas com cartão corporativo do governo federal em 2020. Os três ministérios que mais gastaram com essa modalidade de pagamento (Justiça, Educação e Economia) reduziram as despesas no ano passado devido à pandemia de covid-19.

As despesas do governo federal tornaram-se tema nas redes sociais após a divulgação, feita pelo site Metrópoles, de que o Poder Executivo teve gastos de R$ 15,6 milhões na compra de leite condensado.

Indignação
De acordo com especialistas ouvidos pelo Correio, no Orçamento da União os gastos com alimentos não são detalhados minuciosamente e, portanto, não é possível identificar despesas específicas, como vinho, chiclete e leite condensado. Eles criticam a falta de transparência nos dados dos gastos do governo com o dinheiro do contribuinte.

"Os R$ 15 milhões de gasto com leite condensado são só a ponta do iceberg. O brasileiro precisa se indignar mesmo é com os R$ 1,5 trilhão de gastos da União, no ano passado, sem um detalhamento melhor dessas despesas", afirmou o economista e consultor Paulo Rabello de Castro, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

O economista Manoel Galindo, diretor-executivo da Transparência Brasil, lembrou que a indignação pelo leite condensado está relacionada ao fato de a maioria da população conseguir compreender esse número, porque sabe o preço do produto no supermercado e consegue mensurar o tamanho. "Na verdade, não tem como saber se esses R$ 15 milhões de gasto com leite condensado são muito ou pouco. É preciso saber mais informações sobre essa compra e como e onde esse produto foi usado por todas as pasta", explicou.

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Leite condensado: 73% a mais 

28/01/2021

 

 

Levantamento feito pela Associação Contas Abertas junto ao portal Painel de Compras, do Ministério da Economia, mostra que os gastos do Poder Executivo apenas com leite condensado em 2020 foram bem maiores do que no ano anterior. Somaram R$ 18,5 milhões, volume 72,9% superior aos R$ 10,7 milhões contabilizados em 2019.

Conforme os dados da entidade, o Ministério da Defesa foi o órgão que mais gastou com esse produto. A pasta foi responsável por R$ 17 milhões do total de R$ 18,5 milhões adquiridos pelo governo federal no ano passado. Esse montante é 82,8% superior aos R$ 9,3 milhões contabilizados em 2019 com o mesmo produto.

Considerando que uma lata da principal marca do mercado custa de R$ 5 a R$ 6 — valor bem acima do que costuma ser uma cotação de compras governamentais —, o governo teria comprado aproximadamente 10,1 mil latas de leite condensado por dia. Gil Castello Branco, secretário-geral da Contas Abertas, lembrou que o governo gastou mais com batata frita do que com leite condensado, por exemplo, e as compras no ano passado, de R$ 1,8 bilhão, também incluíram os gastos com alimentação das tropas da Defesa e também os das universidades e dos hospitais federais.

Em nota, o Ministério da Defesa justificou o gasto afirmando que as Forças Armadas devem, por lei, prover alimentação aos militares em atividade. "Ao contrário dos civis, os militares não recebem qualquer auxílio-alimentação. O efetivo de militares da ativa é de 370 mil homens e mulheres que, diariamente, realizam suas refeições em 1,6 mil organizações militares espalhadas por todo o país", informou.

Irritado com a dimensão do episódio do leite condensado, o presidente Jair Bolsonaro voltou a atacar a imprensa. "Quando vejo a imprensa me atacar, dizendo que comprei dois milhões e meio de latas de leite condensado, vai para puta que o pariu. Imprensa de merda essa daí. É para enfiar no rabo de vocês aí. Vocês, não. Vocês da imprensa, essa lata de leite condensado", disparou, em almoço em uma churrascaria acompanhado do presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci, dos ministros Fabio Faria (Comunicações), Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Tarcísio Freitas (Infra-Estrutura), do secretário de Cultura, Mario Frias, do filho Jair Renan e de cantores sertanejos. (RH com Ingrid Soares)