O Estado de São Paulo, n.46391, 22/10/2020. Espaço Aberto, p.A2

 

Frear a deterioração educacional

José Serra

22/10/2020

 

 

A pandemia tem aumentado o esgarçamento da educação no Brasil, tanto pública quanto privada, mas também vem ampliando a oportunidade para uma agenda social com políticas educacionais inovadoras. Com a paralisação parcial da atividade econômica, milhares de jovens perderam o emprego e a renda para bancar os estudos. Muitos estabelecimentos de ensino paralisaram as aulas presenciais para evitar a proliferação do vírus, o que afetou, sobretudo no ensino público, estudantes das famílias de baixa renda.

A situação da educação no Brasil é tão grave quanto desigual. No ensino infantil faltam creches para 86% das crianças mais pobres. Já entre os 20% de famílias com renda mais alta no País, a falta de creches atinge apenas 6,9% das crianças entre 0 e 3 anos.

Os números que retratam o ensino médio são igualmente alarmantes: nossa taxa de conclusão do ensino médio antes de completar 25 anos é de apenas 58%. Comparando com taxas de conclusão de 86,1% no Chile e 79,1% nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o quadro é dramático. Quanto à metade dos estudantes que conclui o ensino médio, segundo dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), cerca de 70% apresentam resultados considerados insuficientes em Matemática e Português, requisitos hoje mínimos para sua empregabilidade, mesmo em funções modestas.

A formação educacional superior também vai mal, principalmente no ensino tecnológico. As universidades e escolas superiores privadas, que representam cerca de 75% a 80% das matrículas, enfrentam perdas consideráveis, tanto em evasão quanto em inadimplência. Com base em amostra nacional, a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) estima que em julho deste ano apenas 14% da amostra pretendia continuar matriculada no segundo semestre, ante 40% que só retomariam em 2021 e outros 38% apenas quando a situação se normalizasse. Perguntados sobre o que mais estava afetando sua decisão, 80% apontaram perda de renda da família ou do emprego.

O primeiro passo para enfrentar esse quadro é encarar o problema como um desafio federativo. A responsabilidade pela educação é compartilhada pelos três níveis de governo.

O governo federal é o principal responsável pelo financiamento do ensino superior público, sendo uma pequena parcela das despesas destinada à assistência financeira a alunos de instituições privadas. O Prouni concedeu este ano 252 mil bolsas totais ou parciais, ante um total de 6,3 milhões de matrículas no ensino superior privado, menos de 4% dos alunos. Quanto ao crédito estudantil subsidiado (Fies), o governo federal beneficiou cerca de 1 milhão de alunos, metade dos quais está inadimplente!

Os governos estaduais são responsáveis pelo ensino médio e os municípios assumem o grosso do financiamento do ensino fundamental. Mesmo com todas as limitações fiscais do País, inovações na gestão escolar em alguns Estados brasileiros merecem destaque, assim como experiências internacionais bemsucedidas.

No Ceará, os mecanismos de incentivo baseados na distribuição do ICMS, estadual, de acordo com o índice de qualidade da educação do município mostraram-se efetivos para melhorar os resultados de aprendizagem. No Amazonas os professores são avaliados por meio de cursos online obrigatórios, cuja avaliação final é requisito para a conclusão do estágio probatório.

A Austrália foi a primeira a implementar um sistema de crédito estudantil condicionado à renda (Income Contingent Loan), depois adotado no Reino Unido, na Nova Zelândia, na Hungria, nos Países Baixos e na Coreia do Sul. Nesse sistema, o acesso ao ensino superior é gratuito e o egresso reembolsa o crédito se e quando atingir um patamar mínimo de renda (US$ 40 mil na Austrália e US$ 30 mil no Reino Unido), sujeito a um teto de reembolso. Modelo similar se aplica na Universidade da República do Uruguai, pública e gratuita, que cobra de todos os seus diplomados uma porcentagem específica do Imposto de Renda para financiar o ensino universitário.

O Congresso Nacional tem dado prioridade a uma agenda social voltada para a educação. Recentemente foi aprovada a Emenda Constitucional n.º 108, que torna permanente o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e aumenta suas verbas. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, tem defendido um programa de poupança para estimular o jovem brasileiro a cursar o ensino superior – ideia análoga ao Programa Criança com Futuro, proposto no PL 4.698/19 do Senado.

Diante dos efeitos de longo prazo da pandemia, que se estenderão para além de 2021, já não há espaço para remédios improvisados e de curtíssimo alcance, pois isso implicaria submeter a maioria do povo brasileiro – famílias de renda média para baixo – a sofrimentos que não se limitam à perda de emprego e renda já ocorrida e a ocorrer ao longo deste ano.

A deterioração da formação educacional das crianças e dos jovens brasileiros precisa de medidas inovadoras e corajosas.

SENADOR (PSDB-SP)