O Estado de São Paulo, n.46391, 22/10/2020. Metrópole, p.A14
Brasil tem 85% dispostos a se vacinar
Roberta Jansen
22/10/2020
Adesão do País a uma vacina 'comprovadamente segura' só perde para a da China; mas taxa mundial de hesitação, 28%, é considerada alta
Um estudo publicado na revista Nature revela que 85,3% dos brasileiros estão dispostos a se vacinar contra a covid-19 "se um imunizante comprovadamente seguro e eficaz estiver disponível". Esse porcentual de aceitação é o segundo mais alto do mundo. Fica atrás apenas do da China, onde chega a 88,6%.
A informação foi divulgada um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro afirmar que uma futura vacina contra a doença não será obrigatória no País. E ontem ele também descartou comprar o imunizante chinês, contestando o que dissera, na véspera, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.
O levantamento divulgado na Nature envolveu especialistas dos Estados Unidos e da Europa, que analisaram as respostas de 13.400 pessoas dos 19 países mais atingidos pela pandemia. O objetivo era descobrir qual seria a potencial hesitação global diante de uma vacina. Os números mostram que 72% dos entrevistados aceitariam o imunizante e 28% o recusariam ou hesitariam em tomá-lo.
Para os especialistas envolvidos, esse porcentual de hesitação é alto diante de uma emergência global de saúde do porte da covid-19. Sobretudo se o porcentual de proteção oferecido pela vacina for baixo.
Atualmente, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), existem mais de cem potenciais vacinas contra a covid-19 em desenvolvimento no planeta. Muitas estão em fase final de testes em seres humanos e são negociadas com vários países, incluindo o Brasil. Diante de uma segunda onda da infecção que já assola a Europa, um imunizante eficaz é considerado a maior esperança no combate ao vírus. Mas ele precisa ser aceito pela população.
"Será uma tragédia se conseguirmos desenvolver uma vacina segura e eficiente e as pessoas se recusarem a tomá-la", alertou Scott C. Ratzan, coautor do estudo, da Escola de Saúde Pública e Políticas Públicas da Universidade de Nova York. Segundo ele, é preciso "desenvolver um esforço robusto para lidar com essa hesitação e restaurar a confiança do público no benefício das imunizações".
O porcentual mais baixo de resposta positiva para a vacina foi detectado na Rússia: 55%. Nos Estados Unidos, 76% dos entrevistados afirmaram que tomariam o imunizante.
"Esse porcentual do Brasil não é uma surpresa, vários outros estudos já mostraram a mesma coisa", afirmou a vicepresidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, Isabella Ballalai. "O brasileiro confia em vacina, entende que a vacinação é importante." Segundo Isabella, dados recentes de baixa cobertura vacinal no País teriam outras explicações.
"Só a confiança no imunizante não faz a pessoa se vacinar. Ela precisa ser informada, ter acesso, ser lembrada", explicou a especialista. "Agora, se continuarmos com essa guerra política, essa desinformação, vacina de um país contra vacina de outro, isso leva à desconfiança. É fundamental que a população tenha confiança nas autoridade, elas não podem estar brigando."
Um dos coordenadores do estudo, Ayman El-mohandes, da Universidade de Nova York, defendeu a necessidade de expandir "a compreensão das pessoas sobre o quanto um imunizante pode controlar a disseminação da covid em suas comunidades".
Confiança
"É fundamental que a população tenha confiança nas autoridades, elas não podem ficar brigando."
Isabella Ballalai
VICE-PRESIDENTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE IMUNIZAÇÕES