O Estado de São Paulo, n.46391, 22/10/2020. Metrópole, p.A16

 

Papa aprova união civil de pessoas do mesmo sexo

Felipe Frazão

22/10/2020

 

 

Em entrevista para documentário, ele diz que 'todos têm direito a ter uma família'

O apoio do Papa Francisco às leis para a união civil entre pessoas do mesmo sexo, divulgado ontem em um documentário no Festival de Cinema de Roma, pôs o pontificado outra vez na linha de rupturas históricas. Com a mensagem, ele reacendeu a disputa feroz com a ala conservadora da Igreja Católica e trouxe de volta as atenções ao Vaticano, esvaziado literalmente desde o início da pandemia da covid-19. "Os homossexuais têm o direito de ter uma família. Eles são filhos de Deus", disse. "O que precisamos ter é uma lei de união civil, pois dessa maneira estarão legalmente protegidos."

Na defesa de mais proteção legal aos homossexuais, Francisco marcou distância, entretanto, de equiparar essa união ao casamento entre homem e mulher, o sacramento. Pela interpretação católica, a família continua sendo formada por um homem e uma mulher, com objetivo de ter filhos. Embora esteja na órbita do direito, isto é, longe da religião, o tema da união civil sempre causa abalos em setores influentes do catolicismo que fazem campanha declarada contra ele e tira da comodidade bispos e padres, obrigados a dar explicações em paróquias e dioceses.

Ao se apresentar como papa à multidão na Praça de São Pedro, em 2013, Jorge Mario Bergoglio brincou que os cardeais tinham ido buscar um novo pontífice no fim do mundo, numa referência à Argentina. De lá para cá, Francisco não abandonou, em nenhum momento, o gesto de dialogar para fora dos muros do Vaticano. A busca por rebanhos distantes tornou-se um embate constante com alas conservadoras dos Estados Unidos e da Europa. A postura inclusiva e de aceitação das diferenças marca o pontificado. Num momento em que circulava impressões em Roma sobre um certo cansaço na proposta do papa de oxigenar a Igreja, Francisco voltou a mostrar convicção num pontificado do "fim do mundo", periférico.

Para o pesquisador Filipe Domingues, doutor em Ciências Sociais pela Universidade Gregoriana de Roma, o papa avançou em posicionamentos anteriores ao citar o direito à família, dentro da proposta "pastoral" de seu pontificado. "Ele foi muito claro. Eles têm direito a ser parte de uma família, para mim é uma grande novidade. É uma abordagem pastoral que ele tem feito, de encontrar as pessoas onde elas estão, de ir ao encontro e aproximá-las de Deus, em vez de exigir que mudem antes de ser acolhidas", diz Domingues. "Ele evita um pouco esses temas porque a Igreja já tem um ensinamento e fala quando quer acrescentar algo novo, neste caso me parece ser o direito a ser parte da família."

O padre e teólogo Manoel José de Godoy, ex-assessor social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), avalia que Francisco fez mais um movimento em favor da inclusão, mesmo contra a campanha de grupos fundamentalistas que bloquearam avanços nos Sínodos da Família e da Amazônia. "É um reconhecimento de um dado da realidade", afirmou ao Estadão.

"Os casais gays existem, estão marginalizados e precisam de amparo da lei, porque se não vão continuar sendo assassinados, rejeitados pela família, sem amparo financeiro na morte do companheiro, essa situação toda", completou. "Não é ruptura nem esculhambação com o magistério (da Igreja)."

Justificativa

Os casais gays existem, estão marginalizados e precisam de amparo da lei, porque se não vão continuar sendo assassinados, rejeitados pela família, sem amparo na morte do companheiro."

Manoel José de Godoy

TEÓLOGO