Correio braziliense, n. 21069, 30/01/2021. Ciência & Saúde, p. 13

 

Proteção em dose única

30/01/2021

 

 

A vacina desenvolvida pela norte-americana Johnson & Johnson tem eficácia global de 66%, segundo um comunicado da companhia. Esse é o primeiro imunizante para covid-19 de dose única, uma vantagem em relação às substâncias que estão sendo aplicadas atualmente. "Estamos orgulhosos de ter superado essa etapa crucial", comentou Alex Gorsky, diretor-geral da empresa americana. O resultado apresentado refere-se à etapa final de um ensaio clínico de fase três, com 44 mil participantes de oito países, incluindo o Brasil.

Porém, assim como a vacina da norte-americana Novavax, o imunizante da Johnson & Johnson teve eficácia reduzida na África do Sul, onde circula uma variante possivelmente mais infectante do coronavírus, já encontrada em 30 países. Enquanto, nos Estados Unidos, a proteção contra as formas moderada e severa foi de 72%; na América Latina, o índice caiu para 66% e, na África do Sul, ficou em 57%.

Em comunicado, a companhia destacou que a vacina foi 85% efetiva na prevenção da doença grave, no caso dos pacientes que, mesmo imunizados, foram infectados. Esse percentual foi atingido em todas as regiões do estudo.

Diferentemente das substâncias da Pfizer e da Moderna, que usam a técnica inovadora de RNA mensageiro, a vacina J&J baseia-se na tecnologia de vetor viral. Esses imunizantes usam outro vírus menos agressivo como portador, transformado para adicionar uma parte do Sars-CoV-2. O vírus modificado entra nas células de pessoas vacinadas, que, então, produzem uma proteína típica do patógeno, que instrui o sistema imunológico a reconhecê-la. O processo é semelhante ao das vacinas da Oxford/AstraZeneca, da Sputnik V e da CoronaVac.

Uso emergencial
O grupo comprometeu-se a enviar 100 milhões de doses aos Estados Unidos até o fim de junho. A expectativa da Johnson & Johnson é solicitar autorização para distribuição emergencial no país norte-americano a partir da próxima semana, o que a tornaria a terceira vacina em circulação na nação que registra mais mortes pela pandemia. Segundo a companhia, cerca de 200 milhões de doses chegarão à União Europeia até o fim do ano, com os primeiros embarques previstos para abril, e outros 200 milhões nos países em desenvolvimento a partir de junho. A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) informou que espera receber "em breve" um pedido de autorização condicional de comercialização para este imunizante na União Europeia.

"O fato de ter uma vacina de dose única, eficaz em 66% e muito eficaz contra as formas graves da doença é um sucesso", comentou Amesh Adalja, pesquisador da Universidade de Johns Hopkins, nos EUA. O imunizante tem outro benefício: pode ser armazenado em temperaturas normais de geladeira, em vez de freezers, o que facilita a distribuição.

Alexander Edwards, professor da Universidade de Reading, no Reino Unidos, também destaca positivamente o sistema de dose única. "Tem havido um grande debate sobre uma dose versus duas. Esperançosamente, esse estudo começa a fornecer evidências de que a vacinação em dose única pode ser protetora. Os benefícios da dose única tornam-se mais claros à medida em que a vacinação em maior escala ocorre, por exemplo, quando estivermos em um estágio em que poderemos vacinar populações inteiras ao invés do foco atual, de proteger os grupos e faixas etárias mais vulneráveis", disse.

"Esses são resultados empolgantes e chegam em um momento em que há uma necessidade desesperada de mais vacinas. O regime de injeção única permite flexibilidade, mas é muito cedo para avaliar a duração da proteção", destacou Zania Stamataki, imunologista da Universidade de Birmingham, no Reino Unido. "É mais um arsenal valioso contra a covid-19."

O professor de biologia celular da Universidade de Reading Simon Clark assinalou que a queda da proteção na África do Sul pode estar associada à variante do Sars-CoV-2. "Os dados fornecem mais evidências de que em humanos, a cepa sul-africana do coronavírus pode ter desenvolvido resistência parcial à vacina."

Mutações
Inúmeras mutações do coronavírus foram observadas desde o aparecimento do Sars-CoV-2, a maioria sem consequências. Alguns podem, entretanto, oferecer vantagens para sua sobrevivência, como maior capacidade de transmissão. Esse é o caso da mutação britânica, enquanto os cientistas suspeitam que as variantes brasileira e sul-africana têm a mesma probabilidade de ser mais contagiosas.

Para desacelerar essas mutações, Antony Fauci, conselheiro da Presidência dos Estados Unidos sobre a pandemia, afirma que o maior número possível de pessoas deve ser vacinado o mais rápido possível. "Os vírus não podem sofrer mutação se pararem de se espalhar", enfatizou.

Os laboratórios Pfizer e BioNTech anunciaram, na quinta-feira, que seu imunizador mantém "grande parte da eficácia" contra as principais mutações da variante inglesa e sul-africana do coronavírus responsável pela covid-19. A empresa norte- americana de biotecnologia Moderna indicou, até agora, que a vacina é eficaz contra a cepa britânica, mas que também foi observada uma redução na proteção contra a sul-africana.