Título: Anistia: Lula vai dar a palavra final
Autor: Quadros, Vasconcelo
Fonte: Jornal do Brasil, 08/11/2008, País, p. A11

Presidente não quer entrar para a História como quem "colocou pedra" em cima da tortura.

BRASÍLIA

O ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), sugeriu ontem que a resposta do Palácio do Planalto ao pedido de informações do Supremo Tribunal Federal (STF) deve ser favorável à punição de policiais e militares que se envolveram com tortura durante o regime militar.

¿ Conheço a posição do presidente Lula. Ele não quer passar para a História como o presidente que colocou uma pedra em cima (dos casos de tortura) ¿ afirmou Vannuchi, depois de entregar, ontem, na Advocacia Geral da União (AGU), pedido de reconsideração da defesa apresentada pelo órgão na ação que corre em São Paulo e que favoreceu oficiais acusados de tortura.

Vannuchi disse que, na próxima terça-feira, deverão estar prontos os pareceres que vão amparar a resposta do presidente Lula ao ministro Eros Grau, relator da ação da Ordem dos Advogados do Brasil (AOB), que pede uma nova interpretação da Lei da Anistia e da Constituição diante dos casos de tortura contra presos políticos. Dos quatro ministros que irão se pronunciar, apenas o da Defesa, Nelson Jobim, é contra a proposta da OAB. Tarso Genro, da Justiça, Vannucchi e Dilma Roussef, da Casa Civil, foram perseguidos durante a ditadura e são a favor da punição.

Caso em família

A manifestação do presidente Lula, que deve encaminhar o texto ao STF na quinta-feira, deverá fundir a posição dos quatro ministros através de parecer que será escrito pelo advogado geral da União, José Antonio Dias Toffoli.

¿ O presidente vai arbitrar, mas não levará em conta a experiência pessoal ¿ disse Vannuchi.

Ele se refere ao fato de Lula, como líder sindical no ABC paulista, ter visto um de seus irmãos, José Ferreira da Silva, o Frei Chico, então militante do PCB, preso e barbaramente torturado na prisão em 1975. O ministro dos Direitos Humanos lembrou que o próprio relator da ação da OAB, Eros Grau, também foi preso político, passou por tortura nos porões da ditadura e deverá fazer um julgamento isento.

O sofrimento de Frei Chico foi um episódio marcante na vida de Lula. Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, ele só se convenceu que havia tortura ao visitar o irmão na cadeia do Hipódromo, em São Paulo, e vê-lo com marcas deixadas pelo pau-de-arara e choque elétrico.

"Se foi ruim para o corpo deles (...), foi um salto de qualidade extraordinário na minha vida política. (...) Aí eu passei a não ter mais medo" ¿ lembra Lula no depoimento prestado à jornalista Denise Paraná, publicado no livro O Filho do Brasil, que vai virar filme. A descoberta do que ocorria nos porões levou Luiz Inácio a radicalizar a atuação sindical e a se transformar no Lula que sacudiria o país com as greves da Vila Euclides ¿ o desafio que provocou a primeira grande fissura na ditadura militar.

Documentos

Vannuchi acha que o país deve se livrar das mentiras que encobrem a tortura, as mortes e desaparecimentos forçados.

¿ O jornalista Vladimir Herzog não se suicidou ¿ afirmou o ministro. ¿ Ele morreu sob tortura. O ex-deputado Rubens Paiva não escondeu-se da família. Foi seqüestrado, morto e seu corpo sumiu.

O documento produzido pela SEDH diz que tortura é imprescritível; cabe ação civil pública para apurar; e defende a apresentação dos autos de destruição dos documentos militares do período, que as Forças Armadas insistem em dizer que foram destruídos. O governo vai publicar no Diário Oficial um edital de recolha, destinado a arrecadar documentos do período ¿ especialmente os que tratam da Guerrilha do Araguaia ¿ que se encontram com oficiais que participaram da repressão, mas se recusam a colaborar com as investigações sobre o paradeiro de desaparecidos políticos.