O globo, n. 31936, 13/01/2021. Sociedade, p. 10

 

Saúde desiste de vermifugo anunciado como eficaz

Adriana Mendes

13/01/2021

 

 

Bolsonaro e Marcos Pontes apresentaram, em outubro, a nitazoxanida como remédio para tratamento precoce contra Covid-19

 O Ministério da Saúde informou à Câmara dos Deputados que decidiu não incorporar a nitazoxanida, vermífugo também conhecido comercialmente como Annita, para o tratamento da Covid-19 na rede pública de saúde. Anunciado anteriormente como eficaz pelo governo, o medicamento não consta no rol de compras e distribuição do SUS.

“A nitazoxanida não consta nas orientações deste Ministério da Saúde para o tratamento da Covid-19, e também não se encontra incluída na Relação Nacional de Medicamentos, de forma que esse medicamento não é adquirido ou financiado com recursos federais do SUS”, diz o texto enviado à Câmara em resposta a pedido de informações do PSOL.

Em evento no Palácio do Planalto, em outubro, com o presidente Jair Bolsonaro e Marcos Pontes, ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, o governo afirmou ter comprovado que a nitazoxanida reduziria a carga viral de pacientes infectados com Covid-19 nos primeiros dias de sintomas.

Os testes em humanos foram anunciados por Pontes em abril, após pesquisas em laboratório. Na época, o ministro afirmou que os resultados seriam apresentados em quatro semanas, e especialistas questionaram a taxa de eficácia apresentada com base em estudos preliminares na fase in vitro. Pontes admitiu que sua previsão inicial foi otimista demais.

CLINICAMENTE INEFICAZ

Os pesquisadores responsáveis pelo teste clínico do vermífugo no Brasil publicaram artigo no qual afirmam que o medicamento se mostrou clinicamente ineficaz e não superou o placebo na melhora de sintomas de pacientes. O único efeito positivo verificado é um desfecho secundário, a presença do vírus nos pacientes medida no quinto dia de tratamento. A posição secundária atribuída a esse critério significa que o estudo não foi desenhado para avaliar carga viral.

O pedido de informações encaminhado pelo PSOL questionava a pasta da Saúde sobre os planos do governo para uso do medicamento na rede pública de saúde e a previsão de compra do remédio.

Para a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), o Ministério da Ciência e Tecnologia e o presidente incentivaram o uso do medicamento “demonstrando irresponsabilidade e desinformação”.

— O ministério investiu milhões num estudo sobre a nitazoxanida, mesmo que a comunidade científica internacional já tivesse negado sua eficácia. Insistiram no estímulo ao uso, também através das redes sociais do próprio presidente da República —disse Sâmia.