O globo, n. 31936, 13/01/2021. Economia, p. 17

 

Em busca de substituto

Manoel Ventura

Daniel Gullino

Marcello Corrêa

13/01/2021

 

 

Governo sonda empresas. Bolsonaro diz que montadora queria mais subsídio

 Um dia após a Ford anunciar que encerrará a fabricação de automóveis no Brasil — atribuindo a decisão ao ambiente econômico desfavorável — o governo começou a procurar substitutas para ocupar as unidades no país. Segundo fontes, a chinesa Chery seria uma candidata em potencial. Os nomes de GM e Fiat são citados como empresas que investem no país. O presidente Jair Bolsonaro, por sua vez, dissela mentara perda de postos de trabalho, mas acusou a Ford de ter mentido e afirmou que a montadora queria mais benefícios tributários.

—Lamento os cinco mil empregos perdidos. Mas o que a Ford quer? Faltou a Ford dizer a verdade. Querem subsídios. Vocês querem que continuem dando R$ 20 bilhões para eles, como fizeram nos últimos anos? Dinheiro de vocês, do imposto de vocês —disse Bolsonaro a apoiadores, na saída do Palácio da Alvorada, citando o número revelado pelo colunista do GLOBO Lauro Jardim, de subsídios recebidos desde 1999 pela montadora.

Somente entre 2003 e 2021, os subsídios ao setor automotivo como um todo somaram R$ 50 bilhões, de acordo com dados da Receita Federal, sem considerar a inflação. Apesar da injeção de recursos, isso não foi suficiente para evitar a crise do segmento de carros de passeio, especialmente no momento em que a indústria passa por ampla transformação com o avanço de carros híbridos e elétricos.

Para auxiliares do ministro da Economia, Paulo Guedes, o episódio é um sinal de que o modelo baseado em benefícios tributários fracassou. Agora, porém, a pasta tenta contato com empresas para evitar dano maior à economia brasileira, além do impacto político do fechamento de milhares de postos de trabalho, não só na montadora, como na rede de prestadores de serviços e de fabricantes de autopeças.

CHERY, GM E FIAT NA MIRA

Ontem, foram registrados protestos e vigílias de trabalhadores nas fábricas da Ford de Taubaté, em São Paulo, e Camaçari, na Bahia. Os trabalhadores recorrem aos governos locais, em uma tentativa de reaver o emprego em um cenário de crise, embora o clima seja de pessimismo.

De outro lado, ontem, diretores da Ford se reuniram com a presidente do Tribunal Superior do Trabalho( TST ), Maria Cristina Peduzzi. Segundo a Corte, o diretor jurídico da montadora, Luís Cláudio Casanova, explicou que a empresa buscou por alternativas antes de tomar a decisão de interromper a produção de veículos no país, mas os prejuízos foram aumentados pelo impacto da pandemia.

Recentemente, as montadoras representadas pela Anfavea criticaram a ausência de um plano de vacinação no país. Outro ponto de crítica foi a questão tributária.

Apesar do cenário de crise provocado pela pandemia, o Ministério da Economia já começou as conversas. Os nomes são mantidos em sigilo, mas técnicos do governo citam a fabricante chinesa Chery como interessada em ao menos uma das fábricas.

Integrantes da equipe econômica citam ainda GM e Fiat como empresas que têm investido no Brasil.

Procurada, a GM disse que “isso não faz parte do plano” da empresa para o Brasil.

Cherye Fiat não responderam a pedidos de comentário.

Ocupar novamente as unidades que a Ford deixou para trás também é visto pela equipe econômica como uma forma de mostrar que outras empresas têm interesse em investir no país. Especialistas têm mencionado o Custo Brasil elevado e a paralisia das reformas como fatores que contribuem para afugentar grandes indústrias.

Ontem, a apoiadores, Bolsonaro criticou manchete do GLOBO que destacou o mau ambiente econômico como um dos motivos citados pela montadora para justificar o fim das atividades no país.

O coordenador do MBA em Gestão Estratégica da Cadeia Automotiva da FGV, Antonio Jorge Martins, disse que o movimento do governo faz sentido, mas pode ser difícil para as fábricas no setor automotivo.

—As empresas instaladas no Brasil já estão racionalizando as atividades. O fomento para a utilização das atuais construções da Ford deverá passar por outros setores —disse.

Apesar de reconhecerem que a saída da Ford do país — anunciada depois do fechamento da fábrica da Mercedes-Benz em São Paulo —é uma notícia ruim, integrantes da equipe econômica avaliam que o movimento é um reposicionamento global da marca.