O globo, n. 31936, 13/01/2021. Economia, p. 19

 

Trabalhadores da Ford fazem vigília e protesto

13/01/2021

 

 

Em Taubaté, operários esperam pressão do governo de SP, mas clima é de pessimismo. Sindicato de Camaçari afirma que número de afetados chega a 12 mil, por causa de acordos com empresas de autopeças

 Cerca de 350 operários da fábrica da Ford em Taubaté (SP) participaram ontem da assembleia convocada pelo Sindicato dos Metalúrgicos. Eles farão vigílias no local até que a montadora decida negociar com a entidade uma eventual reversão das demissões. Já na unidade de Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador, os trabalhadores fizeram um protesto contra o fim das operações da montadora.

O Sindicato dos Metalúrgicos de Taubaté disse que vai se reunir com o governo de São Paulo para pedir pressão sobre a Ford. A decisão de fechar as fábricas, anunciada na segunda-feira, pegou de surpresa os trabalhadores, que ficaram sabendo do fato pela imprensa e por grupos de WhatsApp, disse o presidente do sindicato, Claudio Batista da Silva Júnior:

— O governo federal só desejou os pêsames aos trabalhadores, mas a Ford teve mais de R$ 20 bilhões em subsídios ao longo da sua história. No último ano, foram R$ 335 milhões em financiamentos do BNDES, e agora fecha e vai manter na Argentina, isso não é possível.

A unidade, que fabricava motores e transmissões, tem 830 funcionários, mas já chegou a empregar 2.700 nos anos 2000. Cerca de 600 terceirizados prestam serviços à fábrica, e a estimativa é que seu fechamento afete 10 mil pessoas.

SURPREENDIDOS

Nos últimos tempos, os empregados aceitaram acordos coletivos de redução de jornada e salários, congelamento de remunerações e do pagamento de participação nos lucros (PLR) para que a fábrica pudesse manter suas atividades, segundo operários.

— A Ford vem perdendo espaço no mercado há anos, e a produção foi sendo afetada, mas não acreditávamos que fossem fechar a fábrica, que tem 53 anos aqui. O pessoal sempre teve a ideia de que era uma empresa família — diz Mário Santana, 33 anos, há 11 na empresa.

Entre os operários, o clima é de pessimismo, especialmente entre os que têm mais tempo de casa. Muitos, contou Jennifer Chiavegati, de 25 anos, perderam o emprego prestes a se aposentar.

— Meu pai passou 35 anos aqui, e eu vinha quando criança para cá. O salário é bom, até R$ 6.500 e PLR de R$ 14 mil, a depender do tempo de casa. Agora, vai ser quase impossível manter o padrão de vida — disse Ricardo de Paula, de 45 anos, há nove na área de usinagem da Ford.

Em Camaçari, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos da Bahia, Júlio Bonfim, contou que havia sido convocado para uma reunião da Ford, que pensou se tratar dos 460 trabalhadores cujos contratos estavam em suspensão temporária:

— Mas fomos surpreendidos por um anúncio, por parte do presidente da Ford na América do Sul (Lyle Watters), informando da instabilidade econômica no país — disse Bonfim ao G1.

Ele afirma que o fechamento das fábricas deixará 12 mil sem emprego:

—O que a Ford está fazendo é uma atrocidade com mais de 12 mil trabalhadores. A Ford está mentindo quando fala que são cinco mil trabalhadores sendo desligados. Temos um acordo coletivo, em que empresas parceiras de autopeças produzem nas mesmas condições como trabalhador direto da Ford. Só somando essas empresas são oito mil, mais quatro mil trabalhadores de empresas satélites que fornecem diretamente para a Ford.

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Quando a história familiar se confunde com a profissional

13/01/2021

 

 

João de Carvalho e seus dois filhos trabalharam na fábrica da Ford em Taubaté, produzindo de modelos do Corcel ao Ka

Não é possível contar a história recente de Taubaté (SP) sem mencionar as montadoras, assim como não dá para falar da família Carvalho sem citar a fábrica da Ford, que fechou as portas ontem após quase 53 anos de atividade no município. Por três gerações, os Carvalho participaram da fabricação de modelos que vão do Corcel ao Ka.

O patriarca João, de 74 anos, conta que trabalhou 23 anos, cinco meses e nove dias na fábrica, até se aposentar, em 1996. Seus filhos Marcelo e Márcio, um de seus netos, além de sobrinhos e dezenas de amigos, também passaram lá a maior parte de suas vidas profissionais.

—Entrei em 4 de junho de 1973 como operador de fundição e aprendi o trabalho na prática. Foi meu único emprego, antes eu trabalhava na roça. Produzi de Corcel a Escort e sempre gostei de lá, criei meus filhos com esse emprego —diz João.

Márcio, o filho mais velho, trabalhou dos 14 aos 47 anos na unidade. Entrou como estagiário de fundição e saiu como coordenador de um laboratório de engrenagens:

—Foram 33 anos, seis meses e cinco dias de trabalho, até que eu aderi ao PDV em junho de 2020 e pedi minha aposentadoria no INSS —diz Márcio, que postou a contagem do tempo ao se despedir dos colegas numa rede social.

O mais novo, Marcelo, não teve a mesma sorte. Aos 38 anos, nove deles na Ford, é um dos 830 que serão dispensados agora.

—Eu trabalhava na linha produzindo a transmissão só do Ford Ka. Quando entrei aqui, chegamos a fazer nove tipos diferentes de modelo, e era difícil entrar —conta Marcelo, que estranhou quando a empresa deu folga para toda a produção na segunda-feira, sem motivo aparente.

—A gente sabe que a marca estava com problema, que o Ka tinha uma baixa margem, mas acredito que era possível inovar se houvesse investimento.

Márcio, que pretende atuar em oficinas mecânicas com amigos da Ford quando a pandemia passar, conta que muitas famílias têm mais de um membro na fábrica:

—Não chorei de felicidade quando entrei na Ford, porque eu não tinha noção de que isso mudaria minha vida para sempre. Não chorei quando me aposentei, porque senti que tinha cumprido a minha missão. Mas chorei em casa ao saber do fim da fábrica, porque aquele lugar é parte da minha família, deixei muitos amigos ali. É muito triste.