O globo, n. 31937, 14/01/2021. Sociedade, p. 10

 

Bolsonaro tentou sabotar medidas contra Covid-19, diz ONG

Camila Zarur

14/01/2021

 

 

Relatório da Human Rights Watch denunciou iniciativas para frear combate ao vírus; WWF indicou desmate no Cerrado e na Amazônia

 O presidente Jair Bolsonaro tentou sabotar as medidas para conter o contágio do novo coronavírus. Esse é o entendimento da organização internacional Humans Rights Watch (HRW) em seu relatório anual sobre os direitos humanos no mundo, divulgado ontem. Além da resposta à pandemia, o documento critica ainda a conduta do governo brasileiro em relação à preservação ambiental e às liberdades individuais:

“O governo Bolsonaro promoveu políticas que contrariam os direitos das mulheres e os direitos das pessoas com deficiência, atacou a mídia independente e organizações da sociedade civil, e enfraqueceu os mecanismos de fiscalização da legislação ambiental, na prática dando carta branca às redes criminosas envolvidas no desmatamento ilegal na Amazônia eque ameaçam e atacam os defensores da floresta”, diz o relatório.

Em relação à Covid-19, que já mato umais de 206 mil pessoas e infectou outras 8,2 milhões no Brasil, aHRW criticou aconduta queBol sonar o teve ao longo da crise sanitária — desde as declarações que minimizavam adoença,ch amando-ade“g ri pez inha ”, até a tentativa de impedir os estados de imporem o isolamento social, passando pela troca de ministros da Saúde. Mas, segundo a ONG, os esforços do presidente foram frustrados pelas demais instituições.

— O presidente Bolsonaro expôs a vida e a saúde dos brasileiros a grandes riscos ao tentar sabotar medidas de proteção contra a propagação da Covid-19 — diz a diretora adjunta da HRW no Brasil, Anna Livia Arida. —O Supremo Tribunal Federal e outras instituições se empenharam em proteger os brasileiros e em barrar muitas, embora não todas, as políticas antidireitos de Bolsonaro. Essas instituições precisam permanecer vigilantes.

Procurado pelo GLOBO, o governo federal não se pronunciou sobre o relatório.

Pelo segundo ano seguido, a HRW condenou a política ambiental do governo. Entre as críticas está a transferência de responsabilidades de órgãos de combate a crimes ambientais para as Forças Armadas, que carecem de experiência na área e de treinamento para evitar a destruição da fauna e da flora brasileiras. O documento destaca que o número de queimadas na Amazônia avançou 16% no ano passado, e que o Pantanal teve incêndios causados intencionalmente, com o objetivo de suprimir a vegetação, que dizimaram um quarto de sua planície.

— Bolsonaro culpa indígenas, ONGs e moradores pela destruição ambiental, em vez de agir contra as redes criminosas que impulsionam a ilegalidade na Amazônia —afirma Arida.

Segundo o diretor-executivo da HRW, Kenneth Roth, a política ambiental de Bolsonaro pode provocar pressões econômicas entre líderes europeus, além de uma indisposição com o novo presidente dos EUA, Joe Biden. Roth acrescenta que, com a saída de Donald Trump, Bolsonaro não terá “nenhum amigo na Casa Branca para protegê-lo”.

DESTRUIÇÃO DA FLORESTA

Um levantamento do WWF Internacional realizado em 29 países de regiões tropicais e subtropicais em quatro continentes indicou que o Brasil é uma das nações com maior desmatamento e degradação de florestas.

A pesquisa, realizada entre 2000 e 2018, identificou duas frentes de destruição no Brasil — a Amazônia, que se aproxima de um ponto de inflexão, quando não conseguirá cumprir seus processos naturais, e o Cerrado, fonte de oito das 12 bacias hidrográficas do país.

De acordo com os pesquisadores, a devastação das florestas tropicais alterou o equilíbrio entre oh omeme a fauna e proporcionou o aumento de doenças zoonóticas —ou seja, aquelas que passam de animais para humanos —, como Ebola, Sars e, desde o ano passado, a Covid-19.