O globo, n. 31937, 14/01/2021. Economia, p. 17

 

Crise no Banco do Brasil

Manoel Ventura

Gustavo Maia

14/01/2021

 

 

Enxugamento desagrada a Bolsonaro, que decide demitir presidente. Guedes tenta impedir

O anúncio de um plano de enxugamento do Banco do Brasil que inclui demissões e fechamento de agências fez o presidente Jair Bolsonaro decidir trocar o comando da instituição, presidida por André Brandão desde setembro do ano passado. A saída do executivo ainda não havia sido confirmada até ontem. O ministro da Economia, Paulo Guedes, tentava demover Bolsonaro da decisão, preocupado com a imagem que a mudança teria no mercado financeiro.

A notícia da possível troca de comando foi revelada no blog de Andréia Sadi, do G1.

Segundo fontes próximas ao Palácio do Planalto, o presidente não ficou satisfeito com a decisão do BB de fechar 361 unidades, agências, escritórios e postos de atendimento no país, além de ter criado um programa de demissão voluntária para cortar cinco mil funcionários. As medidas foram anunciadas na segunda feira e, segundo o banco, resultarão em economia de R$ 353 milhões em 2021.

De acordo com esses auxiliares, Bolsonaro ficou incomodado por não ter sido previamente informado dos detalhes do plano de enxugamento, que ele considerou com forte impacto político.

COBRANÇA DE DEPUTADOS

O anúncio do BB ocorreu no momento em que deputados e senadores se preparam para eleger novos nomes para o comando das duas Casas do Congresso, e o governo tenta eleger aliados no pleito, marcado para o início de fevereiro. Por isso, o timing da medida foi questionado no Palácio do Planalto.

Só nesta quarta-feira, Bolsonaro recebeu nove deputados e um senador. Nas conversas, Bolsonaro foi questionado por parlamentares sobre o fechamento das agências, especialmente por quem tem sua base eleitoral no interior dos estados.

Em outra frente, a possível saída de Brandão despertou o alerta de uma ala do governo que não quer entregar o cargo para indicações políticas. Essa parte do governo tenta afastar a imagem de que o executivo deixará o cargo na esteira das negociações para o comando do Congresso.

O cargo de chefe do BB que pode ficar vago caso a demissão seja confirmada é disputado por parlamentares. O governo apoia abertamente o deputado Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara, inclusive com a oferta de vagas na Esplanada dos Ministérios.

Até a noite de ontem, a mudança não havia sido confirmada. Além dos esforços de Guedes para impedir a demissão, fontes próximas a Brandão afirmam que ele não sinalizou estar disposto a entregar o cargo. Caso a demissão se confirme, ainda há a intenção dentro da equipe econômica de alocar o executivo em alguma posição no governo. Procurado, o BB não comentou e disse que não confirma a informação.

A irritação de Bolsonaro com os cortes no BB é considerada o estopim de um processo de desgaste de Brandão iniciado há meses. Como O GLOBO revelou em novembro, a gestão do executivo já vinha sendo questionada após uma mudança na cúpula da instituição financeira que desagradou a integrantes do Palácio do Planalto.

Sua atuação também é alvo de questionamentos pelo ritmo lento no processo de venda de ativos da estatal, segundo relataram fontes da equipe econômica no ano passado. Aliados de Guedes alegaram que o executivo foi colocado no posto para dar celeridade à desestatização e que isso não estava ocorrendo. Um dos motivos de desentendimento seria a demora na planejada abertura de capital (IPO, da sigla em inglês) da Elo, empresa de cartões que o BB tem em sociedade com Bradesco e Caixa Econômica Federal.

Até mesmo integrantes da equipe econômica avaliam que a decisão de promover os cortes anunciados na segunda-feira foi um erro estratégico. Pessoas próximas ao banco lembram, porém, que Guedes concordou com as medidas de enxugamento do BB.

Ex-presidente do HSBC no Brasil, Brandão foi escolhido para dirigir o BB em agosto do ano passado. Na época, ele deixou o cargo de diretor de Global Banking e Markets para as Américas da instituição multinacional, nos EUA. O executivo assumiu o BB no lugar de Rubem Novaes, antigo aliado de Guedes. Economista liberal como o ministro, Novaes deixou o cargo em julho dizendo-se frustrado por não ter conseguido avançar no processo de privatização da estatal.

COMPARAÇÃO COM A CAIXA

O atual chefe da instituição financeira foi apresentado como um “nome de mercado” por Guedes, protegendo o banco de indicações políticas e garantindo a continuidade de uma gestão profissionalizada na estatal. Dentro do governo, há uma comparação constante entre a atuação da Caixa Econômica Federal e a do Banco do Brasil, considerada insatisfatória por parte do Palácio do Planalto.

O presidente da Caixa, Pedro Guimarães, é frequentemente visto ao lado de Bolsonaro. Já foi muitas vezes convocado para a live semanal do presidente nas redes sociais por sua atuação em 2020 no pagamento do auxílio emergencial. O banco estatal fez os depósitos por meio de milhões de contas digitais.

O próprio presidente costuma elogiar a atuação da Caixa, inclusive sobre a abertura de agências, o que não ocorre com o BB. Os dois bancos têm, no entanto, uma diferença: o BB é uma empresa de capital aberto, com ações negociadas em Bolsa. A Caixa é um banco controlado 100% pela União.

A demissão de Novaes se deu na mesma época em que outros auxiliares de Guedes pediram demissão insatisfeitos com dificuldades para implementar a agenda liberal do ministro. Entre eles, o ex-secretário de Desestatização Salim Mattar. Na época, o próprio ministro da Economia classificou as demissões como uma “debandada”.

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Um retrato da infidelidade liberal de Bolsonaro

Renato Andrade

14/01/2021

 

 

A cantada saída de André Brandão do comando do Banco do Brasil é mais um exemplo da forma como o presidente Jair Bolsonaro acredita que deve conduzir a administração do governo federal: completamente centralizada e à mercê das vontades do inquilino do Palácio da Alvorada.

O episódio mostra também qual é o grau de aderência do presidente ao receituário liberal de seu ministro da Economia, Paulo Guedes: nenhum.

A primeira vez que Bolsonaro pensou em fritar o atual presidente do Banco do Brasil foi quando o executivo, de longa carreira na iniciativa privada, resolveu fazer uma dança das cadeiras no comando da instituição. Mexeu num vespeiro político, achando que estava apenas fazendo ajustes no comando de instituição financeira.

Agora, a expulsão pode ser concretizada porque, mais uma vez, Brandão pensou como um executivo do mercado financeiro, e não como um integrante subalterno de um grupo político.

No início da semana, a instituição anunciou um plano de reestruturação, com fechamento de agências, escritórios e postos de atendimento, e um novo plano de demissão voluntária.

Os bancos estão enxugando suas estruturas físicas há anos, adaptando-se à concorrência cada vez maior das instituições digitais, que avançam na esteira de uma mudança clara de comportamento: não preciso mais me deslocar até uma agência bancária se posso fazer tudo pelo aplicativo.

O plano apresentado pelo Banco do Brasil está em linha com o que está sendo executado por seus concorrentes. É, portanto, um movimento que visa garantir à instituição capacidade de continuar ganhando mercado num segmento onde a competição nunca foi brincadeira.

Bolsonaro não enxerga as coisas sob essa ótica. Ainda acredita naquela imagem de que autoridade no interior do país é prefeito, padre e gerente do Banco do Brasil.

Se Brandão for efetivamente sacado por isso, entrará para o mesmo hall dos secretários de Guedes (Salim Mattar e Paulo Uebel) que foram embora porque acreditaram que o governo Bolsonaro iria implementar a agenda liberal de suas pastas. O ex-capitão do Exército nunca comungou dessa hóstia. A trajetória política do presidente da República não permite confundir o uso de uma fantasia eleitoral com a postura de um verdadeiro fiel.