O globo, n. 31937, 14/01/2021. Economia, p. 19

 

Caso Ford mostra risco de Brasil ficar para trás

Danielle Nogueira

João Sorima Neto

Henrique Gomes Batista

14/01/2021

 

 

Com pressão cada vez maior da sociedade e dos governos, montadoras aumentam investimentos em veículos elétricos e autônomos. País, no entanto, está atrasado na transformação do setor, avaliam especialistas

A nova cara da Ford no Brasil será a de uma empresa que deixa de fabricar carros de R$ 50 mil, considerados de entrada, como Ka ou Fiesta, para se tornar uma importadora de veículos premium, de R$ 200 mil. Globalmente, a montadora, que segunda feira anunciou sua saída do Brasil, deve concentrar boa parte de seus investimentos no desenvolvimento de carros elétricos e autônomos, tendência já adotada por outras companhias. Para especialistas, essa será a grande mudança da indústria automobilística nesta década.

— Países como a Noruega já querem proibir a venda de motores a combustão a partir de 2025. A indústria automobilística toda está em processo de mudança, em busca de sustentabilidade —diz Paulo Vicente, professor da área de Estratégia e Gestão Pública da Fundação Dom Cabral.

No Reino Unido, a venda de carros a gasolina, diesel ou gás será suspensa em 2030. No Japão, veículos a gasolina deixarão de ser comercializados em 2035. Holanda, França e outros países da União Europeia (UE) vão no mesmo caminho.

Todas as montadoras estão recompondo seus portfólios, e a Ford vai nessa direção, diz Marcus Ayres, sócio diretor da consultoria Roland Berger e responsável pelo setor automotivo. A estratégia é deixar de fabricar veículos pequenos para produzir SUVs, inclusive elétricos, um segmento que dá boa margem de lucro.

— Um consumidor que compra um carro de entrada no mercado não quer gastar mais de R$ 50 mil. Mas um consumidor que pode pagar R$ 200 mil por um SUV não se importa de gastar R$ 20 mil a mais para ter um carro mais tecnológico. A Ford está focando em segmentos mais rentáveis e terá de investir em plataformas para produzir carros elétricos —diz Ayres.

SUBSÍDIO AOS FÓSSEIS

Seja por pressão da sociedade ou busca pela liderança na transição para os veículos elétricos, vários países vêm anunciando metas para proibir a venda de automóveis a gasolina e diesel. Para se adaptar ao novo cenário global, montadoras buscam estratégias como fusões bilionárias, a exemplo da recém anunciada Fiat-Peugeot, ou o encolhimento em mercados menos rentáveis, como fez a Ford ao deixar o Brasil.

Na contramão, o país ainda subsidia fontes de energia fósseis — segundo a ONG Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), de R$ 99 bilhões em 2019 — e tem um mercado muito pequeno de veículos elétricos, o que, segundo especialistas, torna o país menos atraente na disputa por investimentos globais na tecnologia. Além da Ford, a Mercedes-Benz encerrou a produção de carros por aqui.

— Há um movimento amplo e difundido em diversos países para diminuir o impacto ambiental. Vários políticos foram eleitos com essa promessa, e agora eles estão agindo nessa direção — diz Regis Nieto, diretor executivo e sócio do Boston Consulting Group (BCG) Brasil.

Restrições como essas pavimentam o caminho para a indústria de carros elétricos. Segundo recente estudo da consultoria e auditoria PwC, China e UE devem liderar a transição para essa tecnologia.

Entre 2020 e 2035, a parcela dos carros com motor de combustão na UE deve cair de 93% para 17%, considerando a venda de automóveis novos. Estão nesse grupo os híbridos, cuja bateria é abastecida por combustíveis tradicionais, como gasolina, diesel e etanol. Já afatia de veículos elétricos deve saltar de 4% para 67%.

Na China, a participação dos carros movidos a combustíveis fósseis deve cair de 95% para 32% até 2035. Já os elétricos, que são subsidiados, passarão de 4% para 55%, estima a PwC. O estudo não tem projeções para o Brasil.

Hoje, dessa família só é produzido aqui o Toyota Corolla, que é híbrido e foi lançado em setembro de 2019. Com ele, a categoria de carros elétricos e híbridos ficou com apenas 1% das vendas de veículos leves no país em 2020, segundo a Anfavea, que reúne as montadoras.

— A renda do brasileiro é baixa, somos um país continental e, por isso, há mais dificuldade de adaptar a infraestrutura para os veículos elétricos. Há ainda gargalos na distribuição de energia e já temos o etanol, que é uma fonte renovável — Ricardo Pierozzi, sócio da PwC, que considera questão de tempo a substituição dos carros a gasolina e diesel pelos elétricos.

O Ministério de Minas e Energia diz que “não há estudos em curso para aumentar ou reduzir impostos e subsídios de gasolina e diesel”, nem política para banir carros que usem combustíveis fósseis.