Título: O quebra-cabeça do protecionismo
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 09/11/2008, Economia, p. E1

Crise, tendências partidárias e promessas de campanha no futuro das relações Brasil-EUA

Gabriel Costa

Diante de um cenário de profundas transformações no panorama político e econômico mundial, o futuro das relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos ¿ país que mais compra produtos brasileiros, cerca de 14% das exportações nacionais ¿ é nebuloso. O sorriso carismático do presidente eleito dos EUA, Barack Obama, pode esconder inclinações protecionistas, típicas do Partido Democrata americano, que dificultariam as negociações entre os dois países. Por outro lado, empresas americanas de etanol, justamente um dos produtos brasileiros que mais sofre com barreiras comerciais dos EUA, estão pedindo falência por conta dos preços em queda, créditos restritos e custos voláteis. Com a adição de fatores aparentemente contraditórios entre si a esse painel, como a necessidade de trazer de volta a confiança ao mercado abalado pela crise e a ânsia do futuro governo americano de dissociar sua imagem das práticas ¿ protecionistas em muitos momentos ¿ da desacreditada administração Bush, tem-se uma noção da complexidade do quebra-cabeça.

Obama tem consciência da encruzilhada em seu caminho. Embora tenha dado, ao longo da campanha, sinais de que pretende ampliar o diálogo com outras nações e as relações comerciais dos Estados Unidos, também mostrou resistência à idéia de reduzir as taxas sobre o etanol brasileiro, que paga uma tarifa de US$ 0,54 por galão (3,785 litros) para entrar no mercado americano. Como senador de Illinois, um dos maiores produtores de milho e etanol dos EUA, Obama foi um dos que apoiaram a medida que estendeu a sobretaxa sobre o etanol importado até janeiro de 2009.

Nesse contexto, o Brasil pretende propor à cúpula do G20 ¿ bloco de países industrializados e emergentes ¿ que será realizada em Washington, no dia 15, para discutir a crise financeira, que se acelere a conclusão da Rodada Doha, iniciada sete anos atrás, que poderia reduzir os subsídios concedidos a produtores pelos países desenvolvidos. Além do etanol, os EUA impõem barreiras comerciais para a entrada de carne bovina, aço, laranja, açúcar, tabaco e algodão brasileiros, entre outros. Segundo o ministro das Relações Exteriores brasileiro, Celso Amorim, o ideal seria que um acordo fosse alcançado antes da posse de Obama.

Em preparação para a cúpula, ministros das Finanças e presidentes dos bancos centrais do G20, além do diretor-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, e do presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, iniciaram na sexta-feira uma reunião em São Paulo, que termina hoje.

Frente às dificuldades que enfrenta com as barreiras comerciais americanas, uma saída da qual o Brasil já lançou mão foi recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC). Em 2002, o país abriu um contencioso na entidade contra subsídios concedidos à produção e exportação americana de algodão entre 1999 e 2002. A organização deu vitória ao Brasil no processo, mas o preço foi alto ¿ só em custos processuais, US$ 3,5 milhões saíram do bolso do produtor ¿ e os principais subsídios ainda são aplicados pelos EUA.

Diante dos resultados pouco animadores, no entanto, pode ser mais vantajoso para o Brasil apelar para negociações diretas, tanto pela menor dependência que a balança comercial tem atualmente em relação aos EUA ¿ a parcela atual, de 14% de participação do mercado americano nas exportações brasileiras é consideravelmente menor do que os 25% do passado ¿ quanto pelo potencial nacional diante do momento difícil para as maiores economias.

¿ Acredito que haja muito mais margem para negociação do que para contenciosos ¿ avalia a professora da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), Heloísa Burnquist.

A possibilidade de expansão do protecionismo também pode encaminhar o Mercosul rumo a uma maior integração, embora a Argentina já tenha demonstrado preocupação com a expansão das exportações brasileiras. Segundo dados da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), os efeitos da crise internacional sobre a América do Sul devem acarretar uma redução de até 15% nas importações de produtos brasileiros pelos outros países do continente.

O cientista político da Universidade de Brasília, David Fleischer, nascido em Washington e naturalizado brasileiro, chama atenção para o fato de que a visão polarizada de que os democratas americanos são mais inclinados ao protecionismo que os republicanos não reflete bem a realidade dos últimos governos.

¿ Nos oito anos de Bush não foi bem assim, enquanto Clinton não foi tão duro com o comércio livre devido ao bom momento econômico, com superávit. Ele até fechou os olhos, de certa forma, para os imigrantes clandestinos, porque o país precisava de mão-de-obra ¿ lembra Fleischer.

Da mesma forma, durante a maior parte do governo do republicano Bush, o Brasil não conseguiu colocar nenhum produto competitivo no mercado americano devido aos subsídios praticados no país.