Título: EUA sairão da crise em dois anos
Autor: Almeida, Rodrigo de
Fonte: Jornal do Brasil, 09/11/2008, Economia, p. E3

Entrevista: Mario Garnero

Para empresário paulista, vitória de Obama escancara as portas do multilateralismo e da recuperação econômica pela via do comércio.

O empresário Mario Garnero é íntimo do ex-presidente dos EUA George Bush, o pai, construiu pontes respeitáveis tanto com republicanos quanto com democratas e dirige a Associação das Nações Unidas - Brasil (Anubra) ¿ organização destinada a estreitar os laços de colaboração entre os brasileiros e a ONU. Com essas credenciais, montou seu mirante de observação sobre os rumos da política e da economia americana e assistiu, com otimismo, à escalada de Barack Obama ao topo da mais poderosa nação do planeta. Mas o ponto a sublinhar, diz ele, não é tanto a emergência de um presidente negro e sim a abertura dos EUA a um mundo de menos protecionismo e mais interdependência. Nesta entrevista, Garnero explica por que pensa assim e como o Brasil pode beneficiar-se desses novos tempos.

Qual o significado da conquista de Barack Obama?

Todos estão dando uma ênfase muito grande ao aspecto da transição de um histórico de presidentes brancos para um presidente negro. Acho que mais profundo do que isso é o princípio da participação mais efetiva dos EUA numa era de pós-terrorismo. Essa transição vai se afirmar através de uma abertura maior dos EUA em relação aos outros países. Eu imagino isso e, pelos contatos que tive com pessoas que estão ligadas diretamente à área do Departamento de Estado, esse é o verdadeiro sentido da integração social americana, da abertura do país para uma nova era, a era do pós-terrorismo. O terrorismo, combatido acertadamente ou não, caiu profundamente. Não colocaria a eleição de Obama apenas como um fato isolado dos EUA, mas junto ao fato de ocorrer no meio de uma transição mundial. Basta ver as manifestações positivas vindas de todos os países em relação à eleição americana.

Se o terrorismo perde força, o que o substitui? O que seria exatamente o mundo pós-terrorismo?

Acho que o mundo pós-terrorismo significa uma grande participação das grandes entidades internacionais na área do comércio e da própria Nações Unidas. Essa crise demonstrou a importância de uma ação coordenada dos governos também na área financeira. O multilateralismo vai se manifestar por medidas práticas e pelo fortalecimento das instituições multilaterais. Isso resultará numa abertura dos EUA para mais comércio, com menor protecionismo, que permita a abertura para alguns blocos como o europeu, o asiático e mesmo a Rússia. Assim caminharemos para uma recuperação rápida da economia, pela via do comércio.

O senhor acredita num mundo multipolar, sem uma nação hegemônica?

Não acredito que o império americano tenha ficado decadente com essa crise. Em outras crises, a economia americana conseguiu recuperar-se mais rapidamente do que outras economias cujas condições estruturais são mais pesadas, como o Japão. Os EUA são um país que gasta hoje 10 ou 20 vezes mais do que todos os países juntos na área de armamentos. Não quero, portanto, colocar isso como uma queda do poderio americano. Mas certamente haverá condições favoráveis que serão geradas pela crise financeira. Teremos uma interdependência muito mais acentuada.

Do ponto de vista prático, que ações o senhor imagina sendo tomadas pelo governo Obama para debelar a crise?

Tenho escrito alguns artigos, inclusive no Jornal do Brasil, tentando dimensionar essa crise. Trata-se de uma crise nascida fundamentalmente do sistema bancário americano. Os exemplos ocorridos na área financeira levaram bancos e instituições ao total descrédito. Quando vemos as ações de resposta, como nacionalização, ajuda dos bancos centrais, fusões e aquisições, percebemos que o sistema financeiro vai demorar entre seis e oito meses para voltar a ser aquele que irriga o dinheiro pelo mundo. É importante dizer uma coisa que passa despercebida: os US$ 3,5 trilhões que desapareceram de circulação por perdas com a crise não sumiram queimados em praça pública. Se alguém perdeu, alguém ganhou.

Mas é possível sair rapidamente dessa crise?

Nos EUA, sim. Acho que dentro de dois anos teremos uma recuperação da economia americana. As medidas tomadas pelo governo Lula são positivas. Na Europa, vai demorar cinco anos porque as estruturas lá são menos maleáveis do que as estruturas americanas. O mesmo no Japão. China, Coréia, Tailândia e outros países asiáticos terão mais flexibilidade para se recuperar mais rápido. Nem de longe vejo essa crise parecida com a de 29, nem de longe parecida com aquela que o Brasil sofreu no primeiro e no segundo choque do petróleo.

Então não é esse diabo todo que pintam?

Nem acho que seja diabo. Teremos uma turbulência grande, também vivida por essa transição política nos EUA. Mas no governo Obama haverá nomes muito competentes na área econômica. Com isso, entrará um ânimo novo, que diminuirá o impacto da crise. Um novo ambiente nos EUA significa um novo ambiente no restante do mundo.

Só o fim do processo eleitoral, por si, já cria um cenário de otimismo que ajuda a recrudescer a crise. É isso?

A expectativa é uma base importante dos resultados econômicos. A inflação é, acima de tudo, uma expectativa do que vai acontecer. O desenvolvimento é, acima de tudo, um estado de espírito. Essa fase de expectativas se consolida porque houve uma aceitação do Obama, sem deixar dúvida de que há uma mudança numa era nova de inter-relacionamento no mundo.

E o Brasil, como se sai?

Essa abertura criará condições excepcionais para o Brasil. Caminharemos para assistir à redução da taxa de etanol, abertura de mercado importante para o Brasil. Acima de tudo, nessa conversa bilateral entre EUA e Brasil, o novo secretário de Estado e o próprio Barack Obama, embora nunca tenha vindo ao Brasil, vão olhar como aquele país que tem mais segurança e mais proximidade da cultura ocidental da cultura que prevalece nos EUA.

O que o Brasil tem de fazer para se beneficiar disso?

Eu gostaria de lembrar, em primeiro lugar, que o Brasil não precisa de abertura. É uma das maiores economias do mundo, e não há nação que abra para quem quer que seja, se não tiver o interesse nacional resguardado. O interesse nacional brasileiro e o peso da economia brasileira é que vão forçar um jogo mais solidário e uma inserção mais importante do país nas negociações. Lembrando uma coisa: esse continente é auto-suficiente em energia, alimentos, inteligência, tecnologia de informação. Enfim, acho que este eixo Norte-Sul deve ser explorado, e o Brasil deve ter uma posição pragmática no sentido de explorar mais essas portas abertas, que estão criando uma estrada de cooperação muito grande tanto nos dois hemisférios das Américas como também em outras partes do mundo. A abertura ocorrerá com um interesse mútuo. Não será uma abertura dada, mas conquistada pelo próprio país.

O governo Obama terá uma cara de governo Bill Clinton?

Não creio. Eu preferia ressaltar que nomes como Paul Volcker ou Larry Summers não são necessariamente a cara de Clinton. São homens com vasta bagagem universitária e financeira, com independência e qualidade suficientes para estar no governo Obama sem evocar uma era anterior. Têm conteúdo intelectual e capacidade técnica.

E qual o papel dos republicanos?

Acho até que os republicanos terão representação no governo, como tiveram no governo de Bill Clinton. Haverá um entendimento nacional para passar essa fase. O Congresso será dominado pelos democratas, e os republicanos terão de esperar dois ou quatro anos. Vejo Hillary Clinton com um papel muito relevante no Senado. Será importantíssima para a coordenação política.