O Estado de São Paulo, n.46394, 25/10/2020. Economia e Negócios, p.B1

 

Participação das mulheres no mercado de trabalho é a menor em 30 anos

Luciana Dyniewicz

25/10/2020

 

 

Com a pandemia — e a sobrecarga nas tarefas domésticas e nos cuidados com crianças e idosos —, parcela do total de mulheres que estão ocupadas ou em busca de um trabalho chegou a 46,3% no segundo trimestre; número não ficava abaixo de 50% desde 1991

Em meio à pandemia, com empresas fechando postos de trabalho, escolas operando a distância e idosos precisando de cuidados extras, a participação das mulheres no mercado de trabalho alcançou o patamar mais baixo dos últimos 30 anos. Os hábitos e a cultura da sociedade têm impedido muitas mulheres não só de trabalhar, mas até de procurar emprego. E, dentro de casa, elas ficaram ainda mais sobrecarregadas.

Em função da sobrecarga nas tarefas domésticas e nos cuidados com crianças e idosos, parcela do total de mulheres que estão ocupadas ou em busca de um trabalho chegou a 46,3% no segundo trimestre; desde 1991 esse número não ficava abaixo de 50%, e, desde 1990, não atingia valor tão baixo – quando ficou em 44,2%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Entre as mulheres que têm criança de até 10 anos em casa, a queda na participação no mercado de trabalho foi de 7,7 pontos porcentuais entre o segundo trimestre de 2019 e o mesmo período deste ano. Já entre as mulheres em geral, a redução foi de 7,1 pontos porcentuais e, entre os homens, de 6,3 pontos porcentuais.

"Com a pandemia, muita gente deixou de procurar trabalho. Ficou arriscado sair de casa para isso e o mercado não está receptivo. No caso das mulheres, o problema foi agravado porque os cuidados com a casa costumam recair mais sobre elas", afirma o economista Marcos Hecksher, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

No caso da paranaense Patrícia Zambon, de 33 anos, que trabalhava no varejo havia 15 anos, foi a necessidade de cuidar dos filhos que a afastou do mercado. Ela era vendedora em uma loja na Rua Oscar Freire, em São Paulo, antes da pandemia.

Nos primeiros meses da quarentena, Patrícia ficou em casa e teve o salário reduzido. Com a reabertura do comércio, a loja pediu para que voltasse, mas ela não tinha mais com quem deixar os filhos – um menino de 11 anos e uma menina de nove. Antes da pandemia, quando não estavam na escola, eles ficavam na casa da mãe e da avó de Patrícia. Mas, agora, Patrícia não quer arriscar e deixá-los com elas, que têm 62 e 87 anos.

"Enquanto não tiver vacina, não vou colocar minha família em risco", diz ela, que passou a fazer doces para vender. Com a mudança, porém, a remuneração mensal caiu de R$ 3 mil para cerca de R$ 800.

Além de ter de pedir demissão, Patrícia também tem sofrido com o aumento dos trabalhos domésticos. "As aulas online tomam um tempo danado. São dois turnos aqui, duas séries diferentes. Conciliando ainda almoço, limpeza, organização, tempo para as brincadeiras", acrescenta ela, que diz estar feliz por poder ficar com os filhos, mas exausta.

Carga horária. Antes da quarentena, as mulheres já dedicavam, em média, 10,4 horas por semana a mais que os homens em tarefas domésticas. No ano passado, o tempo médio gasto por elas com esses afazeres foi de 21,4 horas por semana, enquanto o dos homens foi de 11 horas, segundo dados do IBGE.

Com a covid-19, a situação piorou. Pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz mostra que 26,4% das mulheres entrevistadas afirmaram que o trabalho doméstico aumentou muito. Entre os homens o porcentual é de 13%. O levantamento indica ainda que as mulheres estão mais tristes e deprimidas (50%) que os homens (30%).