Título: Postura reativa face às iniciativas chinesas
Autor: Maciel, Rodrigo Tavares ; Lanna, Zaira
Fonte: Jornal do Brasil, 09/11/2008, Economia, p. E6
Motivada por sua enorme demanda por matérias-primas, a China reconheceu o Brasil como parceiro estratégico e estreitou laços comerciais no início dos anos 2000. Naquele momento, em que as exportações brasileiras para a China saltavam, o país asiático já ocupava posição de destaque no cenário internacional e integrava o planejamento estratégico, empresarial e governamental de países mais desenvolvidos.
Desde então, o Brasil tem apenas adotado postura reativa face às iniciativas comerciais chinesas, que têm o Brasil, na prática, apenas como parceiro estratégico fornecedor de commodities ¿ condição similar a outros países da América Latina.
Exportação
Ao analisar a pauta de exportação brasileira para a China, verifica-se que esta é muito distinta do padrão brasileiro de exportação ¿ que detém maior presença relativa de manufaturados e semimanufaturados.
O terceiro trimestre de 2008 apresentou novo aumento de concentração em produtos básicos, que representaram 82,2% do total de vendas para o mercado chinês, valor 3,1 pontos percentuais superior ao registrado no mesmo período de 2007.
Contrariamente ao divulgado no Brasil, essa concentração em produtos de menor valor agregado também é atípica à pauta chinesa de compras do exterior, que tende a concentrar-se em produtos mais sofisticados. Máquinas e equipamentos foram os produtos mais importados pela China no primeiro semestre de 2008 e corresponderam a aproximadamente 65,3% das importações totais do país nesse período.
É necessário ressaltar que a concentração em produtos de alto valor agregado também se repete na pauta de exportações da China para o mundo, desmistificando outra visão ultrapassada, porém difundida no Brasil, de que o país asiático é exclusivamente exportador de bugigangas e de produtos de baixa tecnologia.
Tais produtos, frequentemente acusados de destruírem o parque industrial brasileiro, pouca participação detêm na pauta da importados provenientes da China.
Em 2007, as importações brasileiras do país asiático foram, majoritariamente, de bens de capital e matéria-prima para indústria, que representaram 76% das compras brasileiras do país asiático.
Fornecedora
A China tornou-se fornecedor estratégico para produtores brasileiros de diversos setores, que se beneficiam dos baixos preços de produtos chineses para garantir renovação tecnológica e ampliação do parque industrial nacional.
Produtos de consumo final não duráveis, como brinquedos, calçados e vestuário, alvo constante de reclamações de empresários brasileiros, representaram somente 8,7% das importações do Brasil da China em 2007.
Já no acumulado de janeiro a setembro de 2008, essa tendência de pequena participação foi mantida - o setor de calçados sustenta mesma participação no total importado pelo Brasil da China de 2007, de 1,2%.
Já têxteis e vestuário apresentaram queda de 0,9 pontos percentuais de janeiro a setembro de 2008 em relação ao acumulado no ano anterior. Brinquedos, por sua vez, apresentaram participação de 1,6% e não deverá superar a marca de 2% registrada em 2007.
Líder
Dessa forma, a indústria brasileira é, de longe, o maior importador do país asiático, beneficiando-se de baixos preços de fornecedores chineses para tornar-se mais competitiva no mercado doméstico e internacional.
Embora exista enorme barreira de desconhecimento entre os dois países e a ausência de ações coordenadas entre o governo brasileiro e setor empresarial com o intuito de explorar adequadamente oportunidades oferecidas pela ascensão econômica da China, o comércio entre os dois países tem expandido a passos largos.
O ritmo de crescimento da corrente de comércio sino-brasileira é expressivamente mais acelerado do que o observado entre as relações comerciais do Brasil com Argentina e Estados Unidos.
A China, que já era o segundo parceiro comercial brasileiro em termos de importações e de corrente comercial, empatou com a Argentina na segunda colocação em termos de destino das vendas brasileiras para o exterior de janeiro a setembro de 2008. Ainda, o Brasil apresentou o segundo maior ritmo de crescimento comercial entre os parceiros da China, atrás somente de Angola.
Vale salientar que estes números foram conquistados sem nada mais do que iniciativas solitárias e escassas de algumas empresas brasileiras. Isto é, sem esforços e planejamento estratégico coordenado.
O Brasil parece não entender as oportunidades atreladas ao título de "parceiro estratégico" e opta por desperdiçar a possibilidade de discutir diretamente temas de seu interesse via mecanismos bilaterais de negociação e cooperação, como Diálogo Estratégico e Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN).
Porém, encorajar a comunicação para atenuar o emaranhado burocrático, interesses conflitantes e diferenças culturais é apenas uma das tarefas fundamentais ao aproveitamento das oportunidades existentes. Uma vez realizado seu dever de casa, o Brasil poderia beneficiar-se mais, muito mais.