Título: O empresário brasileiro desconhece a China
Autor: Kardos, Bento Delgado
Fonte: Jornal do Brasil, 09/11/2008, Economia, p. E7

ADVOGADO

A Universidade de Santiago do Chile, na última semana, abrigou o congresso internacional "Ciências, tecnologias e culturas", que, por brilhante iniciativa dos ilustres professores e sinólogos Luis Antônio Paulino e Marcos Cordeiro recepcionou uma mesa para discutir os aspectos da relação China ¿ América Latina.

Durante a abertura da minha apresentação, intitulada "Os desafios enfrentados pelos Estados da América Latina que exportam principalmente commodities primárias para a China", enfatizei o fato de que grande parte das dificuldades enfrentadas pelas empresas brasileiras em seus negócios com os chineses dá-se fundamentalmente pela falta de informações e conhecimento dos empresários brasileiros em relação à cultura chinesa.

Competição

Da mesma forma, as dificuldades que o Brasil enfrenta, ou melhor dizendo, os passos de tartaruga que o governo brasileiro caminha em direção ao dragão asiático, também dá-se em função deste profundo desconhecimento, e pouco caso.

Não surpreso, na segunda-feira seguinte, deparei-me com a entrevista concedida pelo embaixador do Brasil em Beijing, Sr. Clodoaldo Hugueney, ressaltando exatamente o mesmo ponto: empresário brasileiro desconhece a China!

Não por menos, nesta terça-feira, o jornal o Estado de São Paulo publicou a matéria "O Brasil conhece mal a China", fazendo, também, referência à entrevista concedida por nosso embaixador.

De fato, o Brasil desconhece a China. Durante estes quatro anos advogando interesses de empresas brasileiras na China, e de empresas chinesas no Brasil, tenho me deparado com questionamentos que denunciam esta situação. Para se ter uma idéia, já me deparei com quem tivesse aberto empresa em Hong Kong acreditando estar na China!

Este é apenas um exemplo pífio, dentre muitos. Contudo, o resultado desta ignorância está no fato de o Brasil não ter conseguido atrair grandes investimentos da China, tampouco sabido explorar aquele mercado, limitando-se a assistir a transferência das nossas unidades de produção para a China, atraídas por tentadores incentivos fiscais, e baixo valor da mão-de-obra.

Nos idos de 2004, durante sua visita ao Brasil, o presidente chinês Hu Jintao declarou que investiria aproximadamente US$ 100 bilhões na nossa região, mas o que vimos até hoje foram poucos e tímidos milhões.

Oportunidades

O Brasil, seja por suas necessidades básicas de infra-estrutura, seja por seus recursos naturais, ou até mesmo pela tecnologia nacional em diversos setores, oferece grandes oportunidades de investimento.

Todavia, como temos observado, o destino dos investimentos estrangeiros chineses têm sido outros.

Apenas no segundo semestre de 2008, o governo brasileiro, com importante participação da iniciativa privada, conseguiu "lançar" o que ficou chamado de "Agenda China", um documento contendo tímidas sugestões de ações positivas para nortear o relacionamento econômico-comercial sino-brasileiro.

Ora, a abertura da China ao mundo ocorreu há décadas, por iniciativa de Deng Xiaoping. Desde então, assistimos, passivamente, diversos países estreitarem seus laços de amizade com o dragão asiático ao mesmo tempo que se beneficiaram economicamente deste relacionamento.

E nós, como sempre, atrasados.

Agora que a crise financeira bate à porta do mundo, mais uma vez se apresenta ao Brasil uma oportunidade. O Brasil precisa, urgentemente, adotar uma postura mais firme e negociar em posição mais ativa com a China, exigindo não apenas uma maior abertura do mercado local para nossas empresas, mas também investimentos nas áreas em que somos deficitários.

A desvalorização do real frente ao dólar significa maior atratividade de capital estrangeiro. A fragilidade de economia norte-americana, e de vários países da região do euro, recentemente revelada ao mundo, e os bons sinais de solidez da economia brasileira, pode indicar o novo endereço dos investimentos estrangeiros, notadamente os chineses.

Contudo, é preciso conquistar os chineses, um povo tão simpático, e que olha para o Brasil com olhar de irmão.

Brasil e China são parceiros estratégicos, e apresentam características complementares que ainda não foram exploradas.

O Brasil não pode se limitar apenas à exportação de commodities para a China. Temos, repito, que saber identificar as carências chinesas e explorá-las. Existem diversos produtos nacionais, de valor agregado, que podemos fornecer à China, além das commodities primárias que, justiça seja feita, nos trouxeram um superávit na corrente de comércio com a China até 2005.

Bento Delgado Kardos é diretor do Departamento Chinês e de Contratos de Noronha Advogados

e-mail:bdk@noronhaadvogados.com.br