O Estado de São Paulo, n.46395, 26/10/2020. Metrópole, p.A14

 

Estudo infectará voluntários com vírus

Benjamin Mueller

26/10/2020

 

 

Na primeira etapa, objetivo é descobrir quais são as menores doses de coronavírus necessárias para contaminar uma pessoa

THE NEW YORK TIMES

Pesquisadores do Imperial College London planejam infectar deliberadamente voluntários saudáveis com o coronavírus como parte da primeira tentativa no mundo para estudar como pessoas imunizadas com diferentes vacinas reagem a uma exposição controlada ao vírus.

O estudo – chamado de desafio humano ou de infecção humana controlada – foi anunciado na semana passada e deve ter início em janeiro em um hospital de quarentena em Londres, com US$ 44 milhões de financiamento do governo.

Esse estudo pode poupar tempo na corrida para se obter uma vacina realmente eficaz entre as várias candidatas. Em vez de testar vacinas da maneira usual – aguardando que pessoas vacinadas enfrentem o vírus em suas casas e comunidades –, os pesquisadores pretendem expô-las ao vírus em um ambiente controlado e, então, analisar os resultados com mais rapidez.

No primeiro estágio do estudo, os cientistas tentarão determinar quais as menores doses do vírus necessárias para infectar uma pessoa. E gradativamente farão testes com doses cada vez maiores do novo coronavírus em até 90 voluntários saudáveis de 18 a 30 anos, até chegar a um nível que realmente cause a infecção.

Uma vez decidida a dose – provavelmente no fim do primeiro trimestre –, os pesquisadores passarão a comparar um grupo de vacinas candidatas para combater o coronavírus, imunizando pessoas e depois infectando-as deliberadamente. O governo decidirá quais vacinas serão testadas, mas seus nomes ainda não foram anunciados.

Ética em pesquisa. É possível que no início de 2021 algumas vacinas que agora estão sendo testadas já tenham recebido aprovação. Mesmo assim, o estudo divide especialistas em ética, uma vez que ainda não existe nenhum tratamento eficaz para a covid-19.

Os pesquisadores do Imperial College London afirmaram que utilizarão o antiviral Remdesivir, mas já se chegou à conclusão de que a droga tem efeitos modestos. Muitos outros ensaios de infecção humana controlada envolveram doenças como cólera e febre tifoide que podem ser rápida e confiavelmente curadas com medicamentos.

Também causa preocupação o fato de a doença causada pelo novo coronavírus ser imprevisível, ou seja, apesar de os jovens de um modo geral não adoecerem gravemente, há casos inesperados e inexplicavelmente graves em pacientes nessa faixa etária. Ou seja, há risco.

O ensaio clínico previsto necessitará de aprovação da agência reguladora de produtos, saúde e medicina da Grãbretanha antes de os voluntários serem recrutados e será monitorado por especialistas independentes.

Jovens saudáveis. Pelo menos no início, o experimento envolverá somente voluntários jovens e saudáveis, o que significa que as conclusões poderão não se aplicar plenamente a pessoas com maior risco de adoecer severamente em consequência da covid-19 – indivíduos mais idosos e aqueles com comorbidades.

Cerca de 2 mil pessoas no Reino Unido manifestaram interesse em participar da pesquisa, por meio de um grupo norteamericano, o 1Day Sooner, que apoia esse tipo de estudo.

O ensaio clínico será administrado pelo Imperial College London em parceria com a hvivo, empresa especializada em ensaios de desafio humano.  / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

IMUNIZANTES EM TESTE NO BRASIL

Instituto Butantã / Sinovac

É considerada a mais avançada até agora. Já passou no teste parcial de segurança aplicado em 9 mil voluntários no Brasil. Teve a menor taxa de efeitos adversos (35%), como dor de cabeça ou no local da aplicação.

Universidade de Oxford / Astrazeneca

Está sendo testada no Brasil desde junho. A estimativa é que 10 mil voluntários brasileiros sejam incluídos no clínico. Metade tomará duas doses da vacina e a outra metade, receberá placebo.

Johnson & Johnson (Janssen-cilag Farmacêutica Ltda)

É aplicada no Brasil com o apoio da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mas apenas 12 cariocas foram testados antes de suspenderem os estudos quando um voluntário do exterior apresentou sintomas adversos. Nos EUA, já foi retomada.

Biontech / Pfizer

Está sendo testada em mil brasileiros em São Paulo e Salvador. A aplicação é feita em duas doses com intervalo de 21 dias.