Título: Caixas das prefeituras tumultuam transições
Autor: Seabra, Marcos
Fonte: Jornal do Brasil, 11/11/2008, País, p. A5

BRASÍLIA

Déficits orçamentários, dívidas com a União e com empresas fornecedoras e prestadoras de serviço, compromissos com reajustes salariais expressivos para o funcionalismo, greves e até mesmo o sumiço de aparato e documentos administrativos. O repertório de problemas ¿ extenso, variado e capaz de tirar o sono de qualquer prefeito eleito em outubro passado ¿ está se tornando rotina e marcou, em eleições recentes, processos de transição entre prefeitos e governadores eleitos e administradores em vias de deixar o cargo.

¿ Tem muito prefeito, principalmente no interior, que entrega a prefeitura num verdadeiro buraco ¿ critica o deputado federal Nelson Pellegrino (PT-BA). O parlamentar conta que o caso que mais lhe impressionou ocorreu nas eleições municipais de 2004, quando, segundo Pellegrino, após derrotar o então prefeito de Camaçari (BA) e candidato à reeleição, Helder Almeida (PP), o petista Luiz Caetano encontrou uma situação desoladora na prefeitura. ¿ Eles tinham sumido com computadores, registros de movimentação financeira, controles de pagamento da folha, tudo. Uma coisa com motivação política, lamentável.

Não é só no interior baiano, contudo, que eleitos têm se deparado com surpresas desagradáveis ao assumir o cargo. Em 2006, quando Jaques Wagner (PT) derrotou Paulo Souto (DEM) na disputa pelo governo estadual da Bahia, uma série de denúncias, relacionadas a suposta queima de documentos com o objetivo de ocultar irregularidades e contratos fraudulentos que teriam sido praticados durante os 16 anos de domínio do grupo político de Antonio Carlos Magalhães, esquentou o processo de transição. Apesar das acusações, Wagner elogiou o comportamento de Souto durante a transição. Ao menos até o dia da posse, quando disparou críticas pesadas direcionadas à ACM e seu grupo político a qual Souto pertencia.

Cooperação e acusações

A estratégia de reforçar a cooperação ao longo da transição para, posteriormente, não poupar a gestão anterior de ataques, também se tornou uma constante em eleições recentes. Em 2002, o então presidente Fernando Henrique Cardoso deu início a um modelo de transição considerado por muitos políticos como uma referência.

Os meses que antecederam a entrega da faixa presidencial para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foram marcados por conversas reservadas entre os dois e muitos encontros entre as equipes de trabalho do petista e do tucano para trocas de informações sobre a situação das finanças públicas. A trégua e a cordialidade duraram até as primeiras declarações do então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, dando conta da "herança maldita" que o PT havia encontrado ao chegar ao Palácio do Planalto.

¿ Hoje se vê claramente que aquilo era apenas uma justificativa encontrado pelo PT para a continuidade da política econômica ¿ dispara o líder do PSDB na Câmara, José Aníbal (SP), que, no entanto, não vê o mesmo tipo de comportamento quando José Serra (PSDB), após ter sido eleito prefeito de São Paulo, em 2004, criticou a situação do caixa do município deixado pela então prefeita e candidata derrotada à reeleição, Marta Suplicy (PT). ¿ As críticas são naturais. Quando assumimos a prefeitura, procuramos demonstrar, realisticamente, que a prefeitura estava em situação difícil financeiramente.

Dívidas

Segundo as contas apresentadas na época, a prefeitura de São Paulo devia cerca de R$ 27 bilhões para a União e Serra assumiria o Executivo municipal com um déficit orçamentário de R$ 1 bilhão. Outros dois governadores tucanos eleitos em 2006 sofreram com o caixa deixado pelos antecessores. Em Alagoas, Teotônio Vilela (PSDB) assumiu alegando ter encontrado um déficit orçamentário de R$ 400 milhões. Após baixar decreto suspendendo reajustes salariais concedidos na reta final da gestão anterior, Vilela teve que enfrentar vigorosa greve do funcionalismo público. Assim como a correligionária Yeda Crusius, que, no Rio Grande do Sul, herdou um déficit estimado em R$ 1,7 bilhão e enfrentou resistências ao seu Plano de Recuperação do Estado.

¿ Tudo depende da capacidade da população e das instituições de fiscalizar irresponsabilidades financeiras ¿ avalia a cientista política e professora do Iuperj, Argelina Figueiredo. ¿ Para isso o sistema político tem que ser mais transparente e o processo decisório mais aberto.