Título: De caça e caçadores
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 11/11/2008, Opinião, p. A8

O ministro da Justiça, Tarso Genro, qualificou ontem como procedimento "normal" a investigação contra o delegado Protógenes Queiroz, da Polícia Federal, responsável pela operação que desbaratou a maior e mais atrevida quadrilha da história do sistema financeiro. Concedendo ao ministro o mérito das meias palavras, pode-se acreditar que ele tenha razão. Mas só em parte. De fato, são comuns os inquéritos conduzidos pela Corregedoria da PF contra integrantes da corporação. A condição de normalidade, no entanto, pára aí, substituída pelos inquietantes indícios de que está em curso uma campanha para transformar em vilão o principal artífice da operação que resultou na prisão de nomes estelares como o banqueiro Daniel Dantas, o ex-prefeito Celso Pitta e o empresário Naji Nahas (todos mais tarde livrados das grades por decisão da Justiça).

O indiciamento do delegado se dará por cinco supostos crimes, informam os algozes de Protógenes (entre os quais o delegado Amaro Vieira Ferreira, da Corregedoria da PF): quebra de sigilo funcional, desobediência, usurpação de função pública, prevaricação, grampos e filmagens clandestinas. Se condenado, o delegado poderá passar até três anos e meio na cadeia. Nas declarações que deu ontem, Genro negou que o indiciamento tenha o objetivo de intimidar agentes federais. "Não há interferência nem intimidação", insistiu.

Com ou sem "interferência", com ou sem "intimidação" admitida pelas autoridades, os desdobramentos do caso conduzem a uma rota tenebrosa: oferecem munição ao processo que pode afastar o juiz federal Fausto De Sanctis (que autorizou as ações dos investigadores da operação Satiagraha), agravam a crise que atinge as relações entre a Polícia Federal e o Judiciário, põem em risco o futuro das grandes investigações de combate à corrupção e escancaram as portas para a defesa do banqueiro Daniel Dantas. Está-se diante de um exemplo eloqüente da inversão de valores na desejada faxina ética na vida pública brasileira. Pelintras se fortalecem com graça, enquanto são criminalizados autores de façanhas notáveis ¿ personagens que fazem o Brasil honesto acreditar que é possível levar para a cadeia ladrões cinco estrelas.

É preciso ressaltar que, na divulgação da operação Satiagraha, a Polícia Federal voltou a escorregar no exibicionismo e em exageros reprováveis. Neste mesmo espaço, o JB reprovou enfaticamente a espetacularização das prisões ¿ tanto quanto os ilícitos cometidos pelos nomes graúdos descobertos pelos investigadores. O equívoco, porém, é a indignação seletiva promovida pelos algozes de Protógenes: condenam-se os métodos da captura promovida pela equipe do delegado e se esquecem os motivos das prisões; privilegia-se a forma mais do que o conteúdo; se esquecem os bandidos para condenar os xerifes. O país honesto quer as duas coisas. (A maneira cinematográfica como a operação foi conduzida permitiu que se pudesse encobrir a discussão sobre os reais motivos das prisões). Os brasileiros de bem decerto recriminariam os excessos da Polícia Federal ¿ e sobram razões para fazê-lo ¿ se não os angustiasse a sensação de que a prisão não foi feita para hospedar milionários.

Tudo somado, não há outro nome a chamar senão "intimidação" os sucessivos ataques ao delegado Protógenes, bem como ao juiz De Sanctis. É uma constatação grave,