Título: Emergentes querem ter mais voz
Autor: Barrionuevo, Alexei
Fonte: Jornal do Brasil, 11/11/2008, Economia, p. A19

Evento teve espírito de cooperação, mas revelou amargura em relação aos mais desenvolvidos.

THE NEW YORK TIMES

O grupo de 20 ministros das Finanças e representantes de bancos centrais se encontraram no fim de semana a fim de se prepararem para uma reunião fundamental de líderes mundiais em Washington, no sábado, com o objetivo de acabar com a crise financeira global. Mas a reunião de três dias do G-20 também revelou um desejo profundo dos países em desenvolvimento, incluindo o anfitrião, Brasil, de ter mais voz para ajudar o mundo a sair da crise da forma proposta por eles.

O G-20 disse que ia trabalhar em conjunto para apoiar o crescimento econômico e promover a estabilidade financeira, e elogiaram países que agiram de forma decisiva e firme, como a China, que, no domingo, anunciou investimento de quatro trilhões de yuans, US$ 586 bilhões, num pacote de incentivo econômico. De acordo com o comunicado do G-20, a volatilidade considerável persiste nos mercados globais, mas seus membros continuarão tomando as medidas necessárias.

Apesar do espírito de cooperação do evento, um ar de amargura também apareceu. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, culparam os Estados Unidos e outros países desenvolvidos por espalharem o caos financeiro para todo o globo.

¿ Nenhum país está a salvo da crise financeira ¿ afirmou Lula num discurso que abriu o evento no sábado. ¿ Eles estão todos sendo infectados pelos problemas que se originaram nos países desenvolvidos.

Lula não disse mais que o Brasil está imune, como fez nos primeiros dias da crise, quando garantira que o contágio "não cruzaria o oceano". Em vez disso, ele e Mantega destacaram o papel do G-20 em discussões geralmente dominadas pelo G-7, grupo das economias desenvolvidas (Grã-Bretanha, França, Alemanha, Itália, Japão e EUA). O G-20, formado depois da crise asiática dos anos 1990, é composto pelo G-7 e 13 países em desenvolvimento, que incluem os BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China).

A crise asiática causou desvalorizações dolorosas no Brasil e Argentina, e levou milhões de pessoas para a pobreza. Mas funcionários do Brasil e de outros países em desenvolvimento destacaram que essa crise seria diferente, que desta vez eles teriam um papel maior na construção, segundo Lula, de uma nova "arquitetura financeira global".

Os ministros das Finanças dos BRIC se reuniram na sexta-feira, primeiro encontro do grupo. Destacaram, em comunicado, a significativa elasticidade dos BRIC, a necessidade de restaurar o acesso a crédito na economia real e a importância de evitar o protecionismo em face do atual caos financeiro.

¿ É um grupo de países que claramente exercem influência na economia internacional ¿ observa Robert B. Zoellick, presidente do Banco Mundial, que aplaudiu o comunicado. A possibilidade de eles se tornarem parte da solução (e não o problema, como na crise asiática) é uma oportunidade real, analisa.

Dominique Strauss-Kahn, diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), foi mais direto: a previsão econômica global do ano que vem, disse, exige que o crescimento do mundo venha de países emergentes e alguns países com baixa renda.

¿ É justo olhar para esse crescimento vindo de países emergentes e tentar apoiá-lo, porque será o único crescimento que teremos ¿ conta. ¿ Como resultado, o poder de decisão de países emergentes será maior do que em outras situações.

Para Lula, a reunião também foi uma chance de abordar uma ferida que ainda dói: expressou abertamente sua amargura sobre como a crise acabou com a maior prosperidade da região em 30 anos. Os choques globais foram particularmente frustrantes para o Brasil, dado o quanto o país fez para reformar seu sistema financeiro, diversificar o comércio e economizar durante o boom global das commodities.

Lula atacou Wall Street e seus lucros excessivos e destacou como o Brasil seguiu as rígidas condições de empréstimos para reforma econômica exigida por instituições multilaterais que concedem empréstimos como FMI, para ver sua economia ameaçada por problemas financeiros nos países desenvolvidos que dominam o grupo.