O Estado de São Paulo, n.46397, 28/10/2020. Política, p.A11

 

Advogados propõem esvaziar lei de lavagem

Breno Pires

28/10/2020

 

 

Comissão designada pela Câmara sugere dificultar punição e até anular condenações

As duas primeiras reuniões da comissão designada pela Câmara dos Deputados para discutir a atualização da lei de lavagem de dinheiro surpreenderam autoridades de órgãos de controle que acompanham a discussão. Advogados de condenados na Lava Jato e no mensalão têm defendido mudanças que contrariam convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, e que podem levar à anulação de sentenças.

O grupo foi formado em setembro, a pedido do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para formular um relatório com propostas de mudanças para a lei de lavagem. Esse relatório deve fundamentar um novo projeto de lei legislativo com sugestões de alterações nas regras atuais. A comissão é formada por 44 integrantes, sendo 24 advogados, 13 membros do Poder Judiciário e sete do Ministério Público. Não há representantes, por exemplo, do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), nem da Receita Federal.

No colegiado há propostas para que a lavagem de dinheiro deixe de ser um crime autônomo e só possa ser punido se houver condenação por um crime antecedente. A ideia é encampada por Gamil Föppel, advogado do ex-ministro Geddel Vieira Lima, condenado justamente por lavagem de dinheiro.

Outra sugestão foi a de descriminalizar a ocultação de bens e valores – outra medida que beneficiaria Geddel, sentenciado por ocultar R$ 51 milhões em um apartamento. Pela proposta, ficaria como crime apenas a lavagem na modalidade dissimulação de valores – quando um pagamento é feito por serviço não prestado, por exemplo.

Em outra frente, o advogado Antonio Pitombo, que atuou no mensalão e também já defendeu Jair Bolsonaro enquanto deputado federal, propõe a diminuição da pena máxima de lavagem de dinheiro 10 para 6 anos.

O advogado Juliano Breda, que defendeu empreiteiros da OAS na Operação Lava Jato, sugeriu que a pena máxima por lavagem não seja superior à do crime antecedente.

Advogados que integram a comissão também querem que a lei preveja expressamente que

o recebimento de honorários advocatícios não configura lavagem sob qualquer hipótese. Essa medida blindaria advogados que estão na mira da Lava Jato no Rio por suspeitas de firmarem contratos fictícios para lavagem de dinheiro.

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Fabio George Cruz da Nóbrega, disse considerar as propostas prejudiciais à prevenção à lavagem de dinheiro no País. “Seria um retrocesso enorme nessa longa caminhada que o Brasil trilhou para adequar a legislação aos parâmetros internacionais.”

A comissão é presidida pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Reynaldo Soares da Fonseca e tem como relator o desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF-1). Para Ney Bello, “ainda é cedo” para saber quais propostas vão entrar no relatório. “O objetivo da comissão é atualizar a lei diante de movimentos mundiais de combate à lavagem de dinheiro, como também modificar a lei em razão de interpretações da jurisprudência pacífica”, disse.

Gamil Föppel disse que é professor de Direito há 16 anos e já fez palestra na ONU sobre lei de lavagem, e que suas propostas não impedem a condenação por lavagem. “Em nenhum momento eu falei que precisava de condenação por um crime antecedente. Eu falei que era necessária uma sentença, que poderia até ser pela absolvição. E sustentei que, até sair essa sentença, não ocorre a prescrição do crime de lavagem. Eu quero saber onde foi que eu defendi impunidade”, declarou.

Antonio Pitombo disse que prefere não comentar porque os trabalhos estão em fase inicial. Juliano Breda afirmou que não faria comentários.

EM DEBATE

• Relatório

Um grupo de juristas foi formado para formular relatório com propostas de mudanças na Lei de Lavagem de Dinheiro. Esse relatório deve fundamentar um novo projeto de lei. A comissão é presidida pelo ministro do STJ Reynaldo Soares da Fonseca.

• Crime autônomo

Uma das propostas feitas pelo grupo de advogados prevê que a lavagem de dinheiro deixe de ser um crime autônomo e seja passível de punição apenas se houver um condenação por um crime antecedente.

• Pena

Outra mudança apresentada pela comissão de juristas seria para impedir que a pena para o crime de lavagem de dinheiro seja maior que a imposta ao crime antecedente. Haveria, ainda, a diminuição da pena máxima de 10 para 6 anos.

• Modalidade

O grupo propõe a descriminalizar a lavagem na modalidade ocultação – configuraria crime apenas a lavagem na modalidade dissimulação de valores – quando um pagamento é feito por um serviço não prestado, por exemplo.

• Honorários

Outra previsão é de que o recebimento de honorários advocatícios não configura crime de lavagem de dinheiro sob qualquer hipótese. O argumento é que os advogados estão sendo punidos pelo simples recebimento de seus honorários.

• Críticas

Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Fabio George Cruz da Nóbrega, as propostas citadas são prejudiciais à prevenção à lavagem de dinheiro no País. “Seria um retrocesso enorme.”