Título: PF e Abin: uma questão de segurança nacional
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 13/11/2008, Tema do Dia, p. A2

Provavelmente, o presidente Lula intervirá, logo que retornar, no conflito de competência entre a Polícia Federal e a Abin.

A Abin está sob o Gabinete de Segurança Institucional, cujo titular tem os poderes de ministro de Estado, e sua missão é a de informar-se e informar rotineiramente o presidente da República. Cabe ao responsável pela Segurança Institucional, de acordo com o raciocínio elementar, a responsabilidade de precaver-se contra os inimigos do Estado (o que nada tem a ver com os inimigos do governo), internos e externos, e aconselhar ao chefe de governo as medidas exigidas pela situação.

Os principais inimigos internos do Estado são aqueles que violam as leis ao organizar quadrilhas de criminosos para cometer delitos contra o Tesouro e a economia popular; ao sonegar impostos, mediante fraude fiscal; ao lavar o dinheiro obtido de forma ilícita, por intermédio de paraísos fiscais. Enfim, cabe à Abin "a defesa do Estado Democrático de Direito, da sociedade, da eficácia do poder público e da soberania nacional", que são seus proclamados deveres.

Os inimigos do governo são necessários ao Estado democrático. A luta entre situação e oposição se realiza no plano político.

A partir dessa lógica singela, se a Abin estivesse, por si só, ou em colaboração com a Polícia Federal, investigando as atividades do banqueiro Daniel Dantas ¿ que opera em paraísos fiscais, e tem participado, desde o processo de privatizações, de negócios nebulosos, conforme as denúncias da imprensa ¿ estaria exercendo a sua raison d¿être: a conduta do suspeito é do interesse da segurança nacional. Assim, o fato de a Abin o investigar não é de se estranhar, a não ser pelos advogados contratados pelo banqueiro, que o fazem no cumprimento de seu dever de ofício, e conforme o contrato estabelecido com seus clientes.

Em nenhum lugar do mundo a polícia apreende documentos de interesse da segurança nacional, guardados nos arquivos dos Estados. Argumenta-se que houve ordem judicial, mas a PF não deveria ter tomado a iniciativa de pedi-la ao Ministério Público, sem esgotar a possibilidade de entendimento direto com a Abin. A Polícia Federal não dispõe de autonomia política, nem deve, jamais, dela dispor, a fim de que não seja, como nos países totalitários, centro de poder sobre o Estado.

O ministro da Justiça vem tranqüilizando a cidadania com a informação de que as investigações sobre o banqueiro Daniel Dantas prosseguem, de forma limpa, por outra equipe da Polícia Federal, e se prometem surpresas. Espera-se que o novo inquérito vá fundo no exame de todos os fatos, a partir dos registros dos computadores do Opportunity. É a grande oportunidade para que a nação conheça tudo o que ocorreu, desde a célebre (e gravada) conversa entre duas grandes autoridades econômicas do governo anterior, que pediam fazer os italianos na marra, porque eles estavam com o Opportunity.

Como dizia, em sua divertida filosofia política, o senador Victorino Freire, "jaboti não sobe em árvore; alguém o coloca na forquilha". Há muitos interessados nesse conflito, além dos grupos internos da Polícia Federal. A forquilha, no caso, é o Ministério da Justiça. O atual ministro da Defesa já percebeu que não é entre os militares ¿ acostumados ao mando e não ao mandonismo ¿ que vai fundar a base da campanha para tentar a Presidência da República. Por isso, já se insinua como o candidato ao cargo de ministro da Justiça, com o apoio da sempre e conhecida parcela fisiológica do PMDB, que nada tem a ver com a militância. Desde o princípio, ele entrou no processo a fim de tumultuá-lo ¿ com as apressadas suspeitas contra a Abin ¿ na tentativa de dele tirar dividendos políticos.

Os cidadãos continuam com a esperança de que a Polícia Federal se esforce em decifrar o que se encontra registrado nos discos rígidos do Opportunity. E o Parlamento, tão ágil na defesa dos interesses, legítimos ou não, de seus membros, agiria melhor se aprovasse lei que encurtasse os prazos processuais e tornasse imprescritíveis os crimes contra a economia nacional, como os de peculato e lavagem de dinheiro. Eles são tão abomináveis e nefandos quanto os outros.

O due process of law, sempre citado e elogiável, não pode tornar-se eternal process of law, em benefício de réus milionários. Como dizia Ruy, justiça que tarda é justiça que falta.