Correio Braziliense, n. 21073, 03/02/2021. Brasil, p. 5

 

A desesperança na linha de frente

Bruna Lima 

Maria Eduarda Cardim 

Vera Batista 

03/02/2021

 

 

Esgotamento físico, instabilidade emocional, falta de recursos e ausência de direcionamento dos gestores. Tudo isso em meio a um novo aumento de casos e mortes por covid-19, e uma população cada vez menos atenta às medidas de proteção. É neste contexto que profissionais de saúde da linha de frente contra a pandemia assistem a história se repetir. Oito em cada dez desses trabalhadores relatam hospitais voltando a lotar e esperam um agravamento da infecção pior ou semelhante à primeira onda vivida no Brasil.

Tudo isso faz parte de pesquisa da Associação Médica Brasileira (AMB), em conjunto com a Fundação Getulio Vargas, divulgada ontem. A proporção de médicos que reprova a atuação do Ministério da Saúde beira os 80% e 99% deles acreditam que deve haver mudanças na saúde do país pós-pandemia. Apesar de os profissionais destacarem a necessidade de alterações na gestão da saúde, 73% estão descrentes de que, de fato, os novos condutores passem a tratar as fragilidades de forma prioritária. Ainda na gestão de Luiz Henrique Mandetta, a aprovação da pasta frente a crise era de 72% e, atualmente, está em 16,6%.

Quase um quarto dos 3.882 profissionais de medicina entrevistados foi diagnosticado com o novo coronavírus, uma incidência que chega a ser cinco vezes maior do que a comparação com o acumulado geral brasileiro para a doença. Não só acometidos pela covid-19, mas pelo cansaço, 92,1% dos entrevistados relatam ter sintomas como ansiedade (64%), estresse (62%), sensação de sobrecarga (58%), exaustão física e emocional (54,1%), mudança brusca de humor (34,4%) e dificuldade de concentração (27%).

A carência de materiais e estrutura básica para assistir aos pacientes é um dos pontos que contribui para intensificar o desafio dos profissionais da linha de frente: 32,5% indicaram faltar equipes para atender à demanda e 27,2% reclamam da ausência de diretrizes, orientações ou programa de atendimento. Também há relatos de inexistência de UTIs (20,3%), equipamentos de proteção individual (16,7%), medicamentos para intubação (11%) e respiradores (5,9%).

Os médicos assistem, também, à normalização da situação e mais da metade deles considera que a população não cumpre adequadamente nenhuma das medidas de proteção contra a infecção. A pesquisa mostra que a interferência das fake news, apontada por 91,6% dos médicos como maléfica, somada à falta de orientação do governo federal, contribui para o cenário.

Não por acaso, ontem o país voltou a confirmar mais de mil mortes. Foram registrados 1.210 óbitos e 54.096 novos casos confirmados por um vírus que já levou 226.309 brasileiros e infectou 9.283.418.

Infecções

Outro estudo, este do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), mostra que os profissionais da saúde estão entre os que mais se expuseram a riscos de contágio da covid-19, entre todos os que desempenham serviços essenciais. Em novembro de 2020, havia 3,1 milhões de ocupados na área, a maioria (74%) mulheres. Desse total, 490 mil testaram positivo para a doença. "É como se, entre março e novembro, um(a) médico(a) ou enfermeiro(a) fosse contaminado(a) a cada 48 segundos", constata o levantamento.

Entre os que se infectaram, 13% tinham nível superior e 14%, nível médio. Até novembro, foram registrados mais de 6,3 milhões de casos de covid-19 no país –– 3% da população, nos cálculos do Dieese. "Entre os trabalhadores, estima-se que 4% dos ocupados tinham testado positivo para a covid-19, segundo a Pnad Covid-19 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)", reforça o estudo.