Correio Braziliense, n. 21074, 04/02/2021. Artigos, p. 11

 

As lições do Enem

Mozart Neves Ramos 

04/02/2021

 

 

Nos primeiros meses de 2020, o então ministro da Educação Abraham Weintraub manifestou o desejo de manter em novembro a realização do Enem, contrariando o desejo de alunos, professores e setores vinculados à área educacional, que entendiam que o prejuízo, especialmente para os alunos da rede pública, seria enorme, em função do fechamento das escolas por conta da pandemia e das dificuldades desses alunos em acessar o ensino remoto. Após consulta pública, como resultado da pressão social, a realização do Enem ficou para janeiro de 2021.

O que ninguém imaginava, naquela oportunidade, era que estaríamos vivendo uma segunda onda da covid-19, aparentemente mais contagiosa. O resultado foi que o Enem sucumbiu, em termos de abstenção, diante da pandemia. Dos 5,5 milhões de inscritos, cerca de 3,1 milhões deixaram de fazer as provas. Isso corresponde a 55% de abstenção, muito longe da média histórica, que flutuava entre 30% e 25%. O resultado foi um desastre do ponto de vista de exclusão social, não obstante o esforço empreendido pela equipe do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) para realizá-lo em plena pandemia, que precisa ser reconhecido.

Para os que não puderam fazer a prova por terem contraído covid-19 ou outra doença contagiosa, ou para aqueles que moram em municípios que ficaram impedidos de realizá-la por conta da condição sanitária, o Inep vai realizar um novo Enem em 23 e 24 de fevereiro. Uma boa iniciativa, que infelizmente não vai resolver as eventuais consequências decorrentes da elevada taxa de abstenção.

Uma dessas consequências, a meu ver, será o elevado número de cursos com vagas ociosas, especialmente no setor privado do ensino superior. Vale registrar que esse setor já está amargando muitas dificuldades para realizar novas matrículas em 2021. Isso vai causar um impacto nas contas dessas instituições.

Outra consequência concentra-se na curva histórica de percentual de ingressantes, especialmente no setor privado, com pontuação inferior a 450 pontos no Enem. Em outras palavras, são ingressantes que, na prática, não teriam obtido o certificado de conclusão do ensino médio. Considerando os dois fatores — a elevada taxa de abstenção e os deficits de aprendizagens trazidos de 2020 em decorrência da pandemia —, é possível que as notas mínimas de ingresso à universidade por meio do Enem sejam bem inferiores aos valores historicamente verificados. Isso significa que o percentual de alunos com pontuação abaixo de 450 pontos deva ser ainda maior em 2021.

A meu ver, essa alta abstenção e suas consequências merecem, por parte do Inep e, por que não dizer, do próprio Ministério da Educação, uma reflexão: o que se espera e se quer medir, em termos de aprendizagens escolares, em tempos de pandemia? Essa reflexão pode ajudar a decidir se devemos medir o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), em 2021, ou postergá-lo para 2023, já que o Ideb é medido a cada dois anos — opção que considero a mais adequada. Qualquer medida de aprendizagem escolar, em 2021, puxará para baixo os resultados alcançados na última década, que, apesar da melhora, ainda estão longe do que o Brasil precisa. Tal medida representará uma fotografia fortemente influenciada pelos transtornos escolares causados pela covid-19. Contudo, não se deixaria de aplicar o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) — desenvolvido e gerenciado pelo Inep —, que poderá nos ajudar a compreender o tamanho do impacto causado pela pandemia nas aprendizagens escolares, contribuindo para traçar políticas que reduzam a desigualdade educacional ampliada por ela.