Título: A destruição das estradas
Autor: Israel Tabak
Fonte: Jornal do Brasil, 30/01/2005, País, p. A3

Abandono de quase 30 anos e descaso histórico com a conservação tornam rodovias importantes quase intransitáveis acidente que cortou ao meio a principal conexão brasileira com o Mercosul não foi uma fatalidade, como algumas autoridades tentaram alegar na primeira hora. O colapso da ponte da Rodovia Régis Bittencourt, além de previsível e evitável - como especialistas mostraram no dia seguinte - serve também como um alerta sobre a catastrófica situação das estradas brasileiras. O Ministério dos Transportes admite que pelo menos metade dos 58 mil quilômetros de rodovias pavimentadas federais está em situação precária. - É uma situação que começou a se delinear há quase 30 anos, no fim do regime autoritário, quando as verbas passaram a ser centralizadas e depois foram encurtando, à medida que a política fiscal apertava. A fonte de dinheiro secou e com isso acabou o planejamento, substituído por emendas de políticos, que conseguem verbas para tapar um buraco aqui e outro acolá - diagnostica o engenheiro de transportes Fernando Mac Dowell, livre docente da UFRJ, que coordenou para o governo federal o Plano Integrado de Transportes, ainda na década de 70.

Com verba curta e centralizada, os últimos governos quase nada fizeram para conservar a malha que se expandiu no tempo do milagre econômico, gerando um gigantesco aumento no custo dos transportes e encarecendo as exportações.

O excesso de carga nos caminhões e carretas, facilitado pela desativação generalizada das balanças, e a falta de fiscalização são um poderoso fator adicional que anula as tímidas tentativas de remendar os leitos mais devastados. É um círculo vicioso de dinheiro gasto que vai para o ralo.

Não é preciso ir muito longe para avaliar a extensão do problema. É só trafegar por estradas importantes, como a BR-101, em direção ao norte do estado. Na saída do trecho Niterói-Manilha, com destino a Itaboraí, a pista da direita, usada pelos veículos pesados, é uma sucessão de buracos e uma séria ameaça às molas dos veículos.

Quem seguir para a Região dos Lagos, pela Via Lagos - um trecho sob concessão - vai ter condições de comparar duas situações extremas e dimensionar a tragédia das estradas brasileiras. A rodovia é bem conservada e tem monitoramento permanente. Mas, para isso, o proprietário do veículo é obrigado a pagar pedágio, embora haja um tributo, a Cide, que tem como um das finalidades financiar a infra-estrutura de transportes. Nos fins de semana são quase R$ 20, nos dois sentidos, para veículos de passeio.

Rodovias em regime de concessão, com pedágio, somam 8 mil quilômetros, o que representa 13% do total de estradas federais pavimentas do país, que chega a 58 mil quilômetros.

No tempo da Transamazônica e outras obras polêmicas, quando houve um boom de construção de estradas, o então jovem engenheiro de transportes Fernando Mac Dowell era constantemente assaltado por uma preocupação:

- No Brasil, conservação sempre foi uma palavra esquecida, em função da nossa cultura imediatista. Eu previa que, com o vultoso investimento no setor, a conta fatalmente viria para os futuros administradores e para o país, na forma de estradas abandonadas, sem manutenção - relembra.

Foi por isso que Mac Dowell planejou e coordenou, ainda na década de 70, um extenso manual sobre monitoramento e conservação de rodovias. Posteriormente, como consultor, foi um precursor no sentido de recomendar a concessão a empresas particulares de algumas das rodovias mais importantes, como forma de preservá-las. Como o dinheiro começou a escassear, nos anos seguintes, o manual foi de pouca valia.

- Hoje, as estradas sob regime de concessão se transformaram num excelente laboratório para mostrar o que deve ser feito no país, porque as empresas são obrigadas, por contrato, a fazer o monitoramento dos problemas e as obras de conservação, como rotina. Precisam identificar e eliminar as trincas, verificar obstruções no sistema de drenagem e prevenir problemas como a formação de películas de água, que fazem o veículo aquaplanar. Já passei por isso. É um horror. Parece que você está esquiando de carro - observa Mac Dowell.

Alguns parâmetros precisam ser seguidos, como o Índice de Serventia da Pavimentação, que indica o momento de fazer o recapeamento ou a completa restauração da estrada. O índice demonstra que nas estradas que mantêm conservação de rotina o intervalo de tempo para fazer um recapeamento é quase o dobro daquele necessário para as rodovias que não seguem as normas técnicas.

- O que não dá para entender é por que não sobra dinheiro para nada, se economizamos uma parcela considerável com os 8 mil quilômetros de estradas concedidas a particulares.

Fernando Mac Dowell alerta para uma tendência de aumentar - nos locais onde ainda existem balanças - o limite de peso tolerado para os caminhões e carretas, o que é de interesse das firmas transportadoras, mas provoca uma destruição mais rápida das rodovias.

- Para cada aumento de 10% na carga, por eixo, a taxa de deterioração do pavimento é 16% maior, acelerando os danos à rodovia - avisa o técnico.

A assessoria do ministro Alfredo Nascimento também avalia que nas últimas décadas as administrações federais se omitiram diante da responsabilidade de recuperar rodovias. Agora, no entanto, de acordo com assessoria, está sendo feito o ''dever de casa''.

Em tempos de centralização de gastos e contingenciamento, o ministério trabalha com a perspectiva da liberação de R$ 6 bilhões para o orçamento deste ano. Em torno de R$ 2 bilhões serão gastos na recuperação de estradas, compra de balanças, treinamento e concurso para a contratação de pessoal.

O ministro Alfredo Nascimento espera recuperar pelo menos 60% das estradas federais até o fim deste ano. Para 2006, a perspectiva ainda é mais otimista: o objetivo do governo, segundo o ministro, é que toda a malha esteja em boas condições.