Título: Da federação estável à guerra total
Autor: Arthur Ituassu
Fonte: Jornal do Brasil, 30/01/2005, Internacional, p. A8

Países vizinhos estão de olho no cenário iraquiano pós-eleição

Os cenários que se apresentam para o Iraque após as eleições vão de uma guerra de todos contra todos que dividiria o país em três regiões - uma xiita, uma sunita outra curda -, independentes ou anexadas pelos vizinhos, até uma federação estável, longe do espírito teocrático iraniano, capaz de conter a guerrilha e, ao mesmo tempo, se manter aberta à participação política democrática.

- Os países da região querem que o Iraque fique em um meio termo entre o sucesso e o fracasso - diz o analista Jon Alterman, do Centro de Estudos Internacionais e de Segurança, em Londres. - O sucesso será para as nações vizinhas um fator de desestabilização, bem como uma guerra generalizada no país.

Segundo um relatório divulgado, na semana passada, pela agência americana de informações estratégicas Stratfor, um Iraque unificado e dominado politicamente por uma coalizão xiita vai ser uma garantia às fronteiras ocidentais iranianas, depois de décadas nas quais Saddam Hussein era uma preocupação.

Ao mesmo tempo, diz a Stratfor, uma situação estável não vai permitir que o Irã tenha a oportunidade de se expandir pela região, o que, por outro lado, poderia gerar respostas contundentes de uma coalizão de países árabes.

''Se o Iraque, como país, entrar em colpaso, e o Irã avançar sobre o Sul do país árabe, então o caminho estará aberto em direção aos campos de petróleo do Kuwait e da Arábia Saudita. Teerã pode não querer, de fato, aproveitar a vantagem, mas os árabes não poderão ter uma política de segurança que conte com a boa vontade dos aiatolás'', afirma a agência.

- Tudo depende da política americana - afirmou Hossein Moussavian, chefe de Política Externa do Conselho de Segurança Nacional iraniano, ao jornal USA Today. - Se os americanos vão ser nossos vizinhos, isso será uma ameaça à segurança nacional do Irã.

De fato, Washington e o governo interino iraquiano, que estabeleceram as regras e os procedimentos para o pleito e para o período seguinte, formularam salvaguardas à hipótese de uma vitória xiita transformar o país numa teocracia aos moldes de Teerã.

Os xiitas devem vencer as eleições e se tornar o grupo majoritário na Assembléia Nacional, que vai eleger um novo governo e escrever a Constituição. No entanto, a expectativa é a de que tenham 40% dos assentos no Parlamento, o que tornaria obrigatória a formação de alianças, em especial com os partidos laicos.

- Além disso, os xiitas não são um bloco monolítico - explicou, ao JB, a especialista Amy Hawthorne, de Washington. - Há xiitas próximos do Irã. Há também os que são adversários dos aiatolás de Teerã. Alguns defendem um Estado secular. Mais importante será prestar atenção à relação dos grupos xiitas no poder com o governo iraniano.

Como afirma Amy Hawthorne, o melhor dos mundos para o Irã não é um ''primeiro-ministro de turbante'', mas um governo amigo, ''até mesmo obediente''.

Do lado dos curdos, que controlam uma região rica em petróleo, a questão é manter a comunidade dentro dos limites da aceitação turca. Ancara, membro da aliança militar ocidental, a Otan, não aceita uma solução autônoma para os curdos no Iraque, com receios de que isso possa a vir alimentar os anseios separatistas da etnia em território turco.

- Os Estados Unidos estão trabalhando com os xiitas para que construam um governo que possa agradar turcos e também sunitas - disse o analista James Phillips, da Heritage Foundation, uma agência de análises e informações influente em Washington.

Para complicar ainda mais o cenário, a política de assentar árabes na região curda do Norte do Iraque, levada à frente por Saddam Hussein, acirrou as rivalidades locais. Árabes, curdos e também turcomanos disputam os poços de petróleo. A cidade de Kirkuk, por exemplo, considerada pelos curdos o ''coração'' da comunidade, fica em um dos principais centros industriais de petróleo do Iraque e fora da região controlada pelas duas principais forças curdas, o Partido Democrático do Curdistão e a União Patriótica do Curdistão.

Na semana passada, o Ministério das Relações Exteriores da Turquia reclamou que os curdos estão modificando a composição demográfica de Kirkuk, autorizando a volta de refugiados à cidade.