Título: Sem espaço para divórcio na política
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 14/11/2008, Opinião, p. A8

Em nome da sensatez e para o bem do país, o Supremo Tribunal Federal ratificou decisão anterior tomada pelo Tribunal Superior Eleitoral e confirmou as regras para a cassação de políticos infiéis. Os ministros do STF classificaram de "plenamente constitucional" a resolução do TSE que pune o troca-troca partidário. Assim, as punições definidas pela Justiça Eleitoral continuarão válidas até que o Congresso edite legislação correspondente, definindo de uma vez por todas os procedimentos a serem seguidos. (A mais séria e mais acertada das punições é a perda de mandato do praticamente da farra).

As duas Cortes merecem enfáticos elogios. Ambas se uniram no esforço para cumprir uma tarefa que, teoricamente, é de deputados e senadores. Na prática, retiraram um tema da sonhada reforma política ¿ a fidelidade partidária ¿ do arquivo dos adiamentos, dribles e trampas do Congresso. Deram um gigantesco passo que o Legislativo não deu até aqui. Como soldados e intérpretes da Constituição, os integrantes do Judiciário intervieram exclusivamente por causa da omissão do Congresso.

Mais uma vez a reação foi questionável. As ranhuras voltaram a se revelar. O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, disse que o STF não teria autoridade para cobrar publicamente agilidade de outro Poder. Bobagem. Choro de quem está com os brios feridos. De fato, os três poderes são independentes, mas a "cobrança pública" é o preço que o Legislativo paga por não cumprir a tarefa que o Brasil espera dele. Soa como se houvesse uma conveniência oculta na resistência à votação da matéria. Pior que a inércia é a busca de soluções esdrúxulas para contornar o incontestável. Criar janela para legalizar as trocas, como sugere o texto da reforma enviada ao Congresso, é assumir a conivência com o erro. O espantoso agora é a pressa: deputados já defendiam a votação imediata do projeto que permite o troca-troca.

Só este ano, cerca de oito mil políticos brasileiros que mudaram de legenda estão na mira de processos de perda de mandato movidos na Justiça Eleitoral, segundo levantamento do site Congresso em Foco. E correm o risco porque, segundo o entendimento do TSE, o mandato de um político é do partido. Sobre esta regra, pelo menos por enquanto, não há mais dúvidas. Partidos não constituem abrigos provisórios. Não são endereços, nem adereços, que os eleitos podem mudar quando lhes convém.

A fidelidade partidária, insista-se, abre uma das principais trilhas para a reorganização do sistema de partidos do país. Passos erráticos ou interrompidos balizaram a história partidária brasileira. Na República Velha, inventou-se o partido único federalizado e se desativaram as tentativas de amadurecimento dos partidos. Entre 1930 e 1945 tivemos não mais do que gestações abortadas. Com o fim do Estado Novo, ensaiou-se nova tentativa. Com algum grau de coesão, PSD, UDN e PTB dividiram com mais clareza as preferências e nuances do eleitorado. Não houve tempo para que se consolidassem. O regime militar de 1964 impediu o vôo. A Nova República trouxe novo alento, mas o apetite deixado pela ditadura levou o país a uma barafunda partidária.

O Brasil precisa de menos e mais sólidos partidos. A farra tão-só alimenta a troca por conveniência, os conchavos e a supressão de programas consistentes. Não há clivagem ideológica ou doutrinária enraizada na sociedade que justifique tantos e tão frágeis canais partidários. Esta é a realidade a qual o Congresso parece ignorar.