Título: Remédio amargo, eficácia duvidosa
Autor: Mariana Carneiro
Fonte: Jornal do Brasil, 30/01/2005, Economia & Negócios, p. A21

Aumento de juros é inútil para baixar expectativa de inflação, devido à influência de tarifas e itens como aço nos índices de preços A ata é clara. ''Etapas adicionais de ajuste'' na taxa básica de juros estão por vir. O esforço extra que o Banco Central pretende exigir da economia, no entanto, será em vão. A inflação deste ano está contaminada pelos preços administrados, que deverão subir cerca de 7% e nada têm a ver com a política monetária. São eles as contas de telefone e energia elétrica, aumentos da gasolina e do diesel, além dos preços das passagens de ônibus, que devem ficar mais caras este ano. Todos estes produtos têm preços definidos pelo governo - como os combustíveis - ou indexados à inflação - telefonia e energia elétrica.

- Só os administrados provocarão uma inflação de 2,1% neste ano, o que representa cerca de 40% da meta estabelecida pelo governo. Com isso, há um espaço muito reduzido para comportar os preços livres - avalia o economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Newton Rosa.

Os administrados e os chamados preços livres - que são definidos pelo mercado, daí seu nome - compõem a inflação. Se os primeiros são insensíveis à taxa de juros, já que são definidos por contrato, os segundos andam rebeldes no primeiro mês deste ano, apesar dos apertos consecutivos empregados pelo Comitê de Política Monetária (Copom). O indicador mais recente da inflação no mês, o IPC-Fipe relativo à terceira semana de janeiro, divulgado na última sexta-feira, mostrou que se continuassem assim, ao longo do ano, os livres aumentariam 10% até dezembro. Com isso, a conta não fecha.

Somados, os dois vêm indicando uma tendência inflacionária renitente. Ela pode ser observada no chamado núcleo da inflação - de onde se descontam as maiores altas e baixas dos preços -, que se manteve alto entre dezembro e a primeira quinzena deste mês. O núcleo do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-15, inflação medida entre os dias 15 de dezembro e janeiro) ficou em 0,66%, contra os 0,65% do IPCA de dezembro.

- Se ficasse parada neste patamar, a inflação em um ano chegaria a 7,74% - estima o especialista em inflação do Grupo de Conjuntura da UFRJ, Carlos Thadeu de Freitas Filho.

Definida no início do ano passado, ratificada em julho e revista em setembro, a meta de inflação para 2005 é de 5,1%. No ano passado, a inflação foi de 7,6%, num ano em que a economia atingiu crescimento de cerca de 5%.

- Para que a inflação se comporte como o BC espera, os preços livres devem variar 4,5% no ano, o que significa taxas mensais de 0,3%. O que é muito distante do que verificamos na realidade - explica Rosa.

Em 2004, os preços administrados subiram 10,19%. Já os livres subiram 6,55%, no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Carlos Thadeu avalia que, quando a meta foi definida, no ano passado, o governo contava com preços mais comportados, sobretudo de commodities, como o aço e o petróleo.

- Na ocasião, trabalhava-se com o barril a US$ 30, hoje, ele está perto de US$ 50. O peso da inércia (inflação passada) na inflação deste ano foi subestimado - verifica, referindo-se à herança que a alta dos preços administrados no ano passado traz sobre a inflação deste ano.

De acordo com ele, essa verdadeira herança maldita responderá por mais 1% de aumento nos preços neste ano.

Por causa dessa meta difícil de alcançar, os analistas resistem em recuar na previsão da inflação este ano. Mesmo após o último aperto monetário, a pesquisa feita pelo Banco Central com 100 instituições do mercado financeiro cravou uma expectativa de 5,7%. A taxa mais baixa verificada pela pesquisa ficou em 5,67%, o que indica que, na melhor das hipóteses, o Banco Central erra (por pouco) a meta. Essa manutenção renitente do mercado em estimar uma taxa acima da meta é um dos motivos apontados pelos analistas pela rigidez da ata do Copom, na última quinta-feira. Nela, o BC informa que chegou a cogitar uma correção ainda maior na taxa (hoje em 18,25% anuais).

- Não que a meta seja impossível, ela só é apertada, muito otimista para a estrutura de preços que existe no Brasil - avalia o economista da UFRJ, referindo-se ao alto grau de olipolização da economia brasileira, isto é, dos grupos que têm poder de formar preços.

- Estes grupos não são afetados pela taxa de juros e, para combatê-los, é preciso reduzir o custo para a abertura e sobrevivência de novas empresas. Enquanto a carga tributária for de 30% do PIB, será muito difícil estimular a concorrência - avalia Carlos Thadeu.