O globo, n. 31963, 09/02/2021. País, p. 5

 

Agricultura entra na mira do Centrão para reforma ministerial

Jussara Soares

Daniel Gullino

09/02/2021

 

 

Sugestão de partidos aliados ao governo é remanejar Tereza Cristina para o Itamaraty; Bolsonaro confirma Onyx no Planalto

Apesar de o presidente Jair Bolsonaro negar repetidamente que vai repartir a Esplanada dos Ministérios entre partidos da base aliada no Congresso, políticos do Centrão seguem articulando nos bastidores para tentar abocanhar mais espaço no governo. Aliados do Executivo passaram a sugerir que a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, assuma o Ministério das Relações Exteriores. O movimento atendaria a dois desejos: substituir o chanceler Ernesto Araújo e liberar a Agricultura para indicações de parlamentares.

Um dos principais argumentos é que Tereza Cristina à frente da Agricultura demonstrou bom trânsito em diversas agendas internacionais. Recentemente, a ministra foi convocada a ajudar na interlocução com a China para a liberação de insumos destinados à fabricação de vacina contra a Covid-19.

A ministra mantém diálogo frequentes com o embaixador chinês Yan Wanming. No auge da tensão causada por declarações do ministro Ernesto Araújo e do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) por questões ideológicas, Tereza Cristina atuou para evitar retaliações comerciais.

Com o apoio do setor produtivo, a chefe da Agricultura também tem atuado para ratificar o acordo firmando entre Mercosul e União Europeia. Anunciado em 2019, o tratado enfrenta resistência de países europeus que citam a política ambiental do governo Bolsonaro para sacramentar o acordo.

A pasta da Agricultura é cobiçada porque aglutina interesses do agronegócio e da bancada ruralista, uma das maiores e mais poderosas do Congresso. O setor está com Bolsonaro desde a eleição. É um órgão com muita capilaridade, propício a indicações políticas, e tem empresas em seu guarda-chuva, como Embrapa e Conab, que também interessam ao Centrão.

A defesa de Tereza Cristina para o Itamaraty também usa como argumento o fato de que ela poderia estabelecer com o vice-presidente Hamilton Mourão, presidente do Conselho Nacional da Amazônia, uma relação mais próxima na área ambiental. O Ministério do Meio Ambiente é comandado por Ricardo Salles que, apesar de criticado, foi garantido no cargo por Bolsonaro.

Em meio à expectativa de uma reforma ministerial, o nome de Tereza Cristina também foi citado para assumir a Secretaria de Governo e a Casa Civil. Segundo um importante interlocutor do governo no Congresso, o objetivo é abrir o espaço na Agricultura para parlamentares.

Aliado de Bolsonaro, o presidente do Progressistas, o senador Ciro Nogueira (PI), defende abertamente a substituição do chanceler Ernesto Araújo. Em entrevista ao jornal “Valor Econômico”, na semana passada, o parlamentar defendeu mudança no Itamaraty.

— Criou-se uma imagem mundial muito ruim para o país, que foi superdimensionada pela situação do Itamaraty. E aí estou falando como senador, não como governo. Eu acho que deveria ser modificado. Se isso acontecer, a Bolsa sobe 30%. A condução tem que mudar, a condução do Itamaraty hoje prejudica o país. Ou o ministro muda, ou muda a condução —disse.

MINISTÉRIO VAGO

Em conversa com interlocutores na tarde de ontem, a ministra Tereza Cristina negou que saiba de qualquer mudança. Ela reafirmou que pretende seguir na chefia da Agricultura.

Ontem, Bolsonaro, em entrevista à TV Band, voltou a negar que esteja negociando ministérios com o grupo de partidos chamado de Centrão, apesar de a pasta da Cidadania ter sido prometida para o Republicanos. O presidente confirmou que o ministro Onyx Lorenzoni será deslocado do Ministério da Cidadania para a Secretaria Geral da Presidência:

— Hoje o meu relacionamento com esses parlamentares do centro está harmônico, sem problema nenhum. Não dei nenhum ministério para eles. Estão dizendo agora que eu vou dar um banco para o Centrão. Não existe isso. Eu tenho um ministério vago, aqui da Secretaria-Geral, que a previsão é trazer o Onyx Lorenzoni para cá e botar uma outra pessoa no Ministério da Cidadania. Isso que está previsto no momento.

Depois, o presidente confirmou a troca, referindo-se a Onyx:

—Para a Secretaria- Geral.

Bolsonaro também negou que fará uma reforma ministerial e disse que o Centrão — que, segundo ele, é chamado assim “pejorativamente” —tem “responsabilidade” e não cobra troca de ministros.

— Não existe isso (reforma ministerial). Fisicamente, ninguém me cobra, do Parlamento, isso. Ninguém quer isso — disse o presidente, acrescentando:

— O Parlamento sabe, o pessoal que dizem, pejorativamente, (ser) Centrão, os partidos de centro, eles têm responsabilidade, sabem como está o Brasil. Não é hora de trocarmos ninguém agora para atender interesse político.

O presidente disse também na entrevista que Araújo “continua” no cargo. Aliados que defendem a mudança pretendem continuar insistindo até convencê-lo.